As flautas brasileiras na série The Interludes

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Artigo original: https://www.laopus.com/2018/11/brazilian-recorders-at-interludes.html

 

SEGUNDA FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 2018

RESENHA

Quinta Essentia, 
“The Interludes”, 
First Lutheran Church, 
Torrance/Califórnia – Estados Unidos

por David J Brown 

 

O fato de a South Bay ter várias séries de música de câmara, em sua maioria promovida por Jim Eninger, significa que – assim como o clima em New England – se o que estiver sendo apresentado não for do seu agrado, então espere algo diferente muito em breve. E geralmente o algo diferente é realmente diferente…

Eu não sei nos Estados Unidos, mas lá atrás durante o pós-guerra, quando eu estudava em uma escola primária britânica, o último recurso de esperançosos professores de música confrontados com uma classe de crianças sem nenhuma habilidade musical era distribuir um punhado de flautas doces agudas e esperar pelo melhor. Como eu era uma daquelas crianças, se passaram alguns anos até que eu percebesse que aqueles apitos plásticos rebeldes tinham primos maiores, que produziam sons mais profundos e respeitáveis, mas eu não tinha compreendido a grande variedade de tipos de instrumentos e sons que podem ser apresentados com o título “Flauta Doce” até o recital de sábado passado na série “The Interludes” da “Classical Crossroads’, com o grupo brasileiro Quinta Essentia. 

Daniel Wolff
Daniel Wolff

Logo após as primeiras músicas, do contemporâneo brasileiro Daniel Wolff (nascido em 1967) e de seu compatriota da geração anterior Radamés Gnattali (1906-1988) (sim, ele recebeu esse nome por causa do personagem em Aida), Gustavo de Francisco como porta-voz do Quinta Essentia explicou sobre a incomum secção transversal quadrada dos seus maiores instrumentos. Foi a invenção de um construtor de flautas doces alemão do século XX chamado Joachim Paetzold, que modelou seu design inovador baseado em tubos de órgãos quadrados de madeira, com chaves para que pudessem ser tocados em até duas oitavas.

O som extraordinariamente profundo e amadeirado desses instrumentos apareceu em todas as nove obras (todas brasileiras) incluídas no recital, embora na primeira, Flautata Doce de Wolff composta em 2013, ritmos de dança alegres e leves em vez de timbres particulares dominassem a primeira e última sessão da música. Sua paisagem auditiva, envolvendo uma seção central calma e mais lenta de melodia arqueada nas vozes mais agudas.

Radamés Gnattali
Radamés Gnattali

Diferentemente de seu contemporâneo mais antigo, Heitor Villa-Lobos, a música e a reputação de Gnattali parecem não ter viajado muito além do Brasil, e esse foi meu primeiro encontro com sua música.

Sua afinidade com os ritmos de dança estava por toda parte aparente. A breve Lenda (Legend) de 1936, que seguiu após a obra de Wolff, exibia um colorido de tonalidades brilhantes ao lado de harmonias lúgubres e compactas e uma linha melódica rebelde sobre a linha da flauta tenor, sobre uma base de baixos borbulhantes nos grandes instrumentos Paetzold. Em sua Seresta n º 1 de 1930, o samba veio especificamente para o primeiro plano como o subtítulo da obra, embora a peça incluísse também algumas dissonâncias surpreendentes.

Heitor Villa-Lobos
Heitor Villa-Lobos

As três obras de Villa-Lobos no programa foram todas de arranjo para quarteto de flautas do Sr. de Francisco. O primeiro foi a familiar “Ária”, que é o primeiro de seus dois movimentos, das Bachianas Brasileiras No. 5 de 1938 . Este foi um experimento interessante, mas não aquele que eu esperaria ouvir novamente em preferência à trilha original de soprano sem palavras e uma orquestra de violoncelos de Villa-Lobos.

Ainda mais extensa e desconcertantemente abrangente em estilo, escala e pontuação do que as Bachianas Brasileiras é a série anterior de Choros de Villa-Lobos, que vai desde o colossal No. 11 para piano e orquestra, que amplia qualquer concerto para piano no repertório, além daquele de Busoni, até pequenas peças camerísticas de movimento único como o Choros No. 4 de 1926, originalmente composta para três trompas e trombone.

Choros No. 4 segue de reflexões contrapontísticas interessantes para uma espécie de música de banda de dança de vila, e para meus ouvidos funcionou tão bem em flautas doces quanto nos instrumentos de metais. O mesmo foi ainda mais verdadeiro em A Lenda do Caboclo (1920), sua sonhadora e repetitiva melodia ainda mais hipnoticamente sonolenta, como se respirava através das flautas do que em sua forma original de teclado.

Radamés Gnattali in later years
Radamés Gnattali in later years

O Quinta Essentia tocou nada menos que cinco peças de Gnattali, dos quais o mais extenso – na verdade, o maior trecho de todo o recital – foi o seu Quarteto No. 3 (1963) de quatro movimentos.

Aqui senti que o quarteto de cordas original poderia ter dado uma visão mais profunda do mundo sonoro deste compositor do que a transcrição do Sr. de Francisco, embora talvez devesse ter passado menos tempo tentando visualizar em quatro instrumentos de cordas a sua progressão de brincadeira staccato no primeiro movimento, através do abrupto tango voando alto no segundo, um solo rebelde com polirritmias contra e tercinas insistentes no terceiro, e de volta aos staccatos no grande final, e em vez disso simplesmente apreciamos os timbres apresentados, do agudos penetrantes aos extraordinários graves que emanam do contrabaixo.

Não tenho certeza se a curta Cantilena de Gnattali, de 1939, que imediatamente precedeu o quarteto, ou sua Seresta No. 2 (1932), que fechou o recital, foram transcrições ou não. De qualquer forma, no entanto, o quarteto de flautas transmitia com igual vivacidade o clima árido e assombroso do primeiro (aparentemente um lamento da área desértica no nordeste do Brasil), e o espírito alternadamente alegre e embriagado do último.

 

Este foi um recital fascinante, embora confesse que, ao final de cerca de uma hora e um quarto de música contínua, meus ouvidos estavam ficando um pouco cansados ​​de um som de flauta doce indiferenciado, ainda que impecavelmente tocado; talvez fosse melhor omitir uma ou duas das peças.

O que não estava em causa era o encanto irresistível da Quinta Essentia, que claramente ama tanto os seus instrumentos como os é hábil em tocá-los (o “quinta” em seu nome refere-se à flauta doce como o quinto elemento adicionado aos seus 4 integrantes!). Para fechar com chave de ouro, talvez o toque mais charmoso de todos, no qual a Sra. Pereira apresentou seus três companheiros, por sua vez, enquanto repetiam repetidamente os ritmos inconfundíveis da transcrição folclórica brasileira que formava o bis.


—ooo— 

 

“The Interludes”: First Lutheran Church, Torrance, 15h00, Sábado, 17 de Novembro 2018. 
Fotos: Quinta Essentia: artists’ website ; Daniel Wolff: Musica Brasilis ; Gnatalli: Cortesia Marco Antonio Bernardo ; Villa-Lobos: Cortesia Virginia Commonwealth University ; Gnatalli nos últimos anos: Cortesia Opera Musica ;Performance: author photo.

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