A música é o caminho, não o objetivo

Em fevereiro/2023, Jasmin Röder, flautista e também colunista da revista alemã Tibia especializada em flauta doce, nos escreveu solicitando uma entrevista.

A entrevista foi publicada em maio/2023, e agora disponibilizamos uma tradução aos nossos leitores em português e em inglês.

Retratos: A música é o caminho, não o objetivo

Artigo original: https://www.moeck.com/en/tibia/tibia-online/artikel.html?article=2426

ou baixar o PDF aqui.

Jasmin Röder em conversa com o Quarteto de Flautas Doces Quinta Essentia

5 de maio de 2022 Jasmin Röder / Foto: © Paulo Rapoport

O Quarteto Quinta Essentia, fundado em 2006, é um conjunto de flautas doces brasileiro. Sua formação atual, composta por três [flautistas] mulheres e um [flautista] homem, inspira novas composições e promove a cultura brasileira e a música de câmara em diversos países. O quarteto é atualmente composto pelos membros fundadores Renata Pereira e Gustavo de Francisco, além de Francielle Paixão e Marina Mafra.

Desde a sua fundação em 2006, vocês já conquistaram muito. Seu conjunto ganhou diversos prêmios, lançou uma série inteira de CDs e também ministra masterclasses e realiza concertos. Qual é a receita do seu sucesso?

Nós combinamos trabalho árduo com planejamento de longo prazo e o deixamos “maturando” por 17 anos.

Aprendemos muito ao longo desses anos. No início, apenas queríamos ter um quarteto profissional de flauta doce, dando concertos e apresentando a flauta doce como um instrumento musical sério. Naquela época, não tínhamos muitos instrumentos: cada um de nós tinha apenas uma flauta soprano em 442Hz, uma contralto em 442Hz e uma contralto em 415Hz; além disso, uma flauta baixo de plástico, uma tenor de plástico e uma tenor de madeira para o grupo. Nenhum desses instrumentos era realmente bom, e sabíamos que seria suficiente para começar, mas precisaríamos investir muito mais em instrumentos para melhorar nosso som. Por muitos anos, 80% da nossa renda com concertos foram reinvestidos em instrumentos novos e melhores. A primeira prioridade era trocar os instrumentos de plástico por instrumentos de madeira e, depois disso, adquirir as flautas baixos quadradas e maiores para nos permitir tocar um repertório mais amplo. Agora temos mais de 60 instrumentos na coleção, em 3 afinações diferentes, incluindo instrumentos Renascentistas, Barrocos e Modernos.

Muitos grupos de flauta doce gostam de tocar um repertório tipo “tutti-frutti”, interpretando peças de todos os períodos históricos no mesmo programa. Nós também fizemos isso no início, e nosso primeiro álbum, “La Marca”, mostra isso. Depois disso, aprendemos algo que fazemos de forma diferente de todos os outros grupos de flauta doce: tocamos música brasileira e, quando tocamos repertório europeu, o fazemos de maneira diferente dos outros grupos; isso torna nossas apresentações algo único, e gostamos de fazer dessa maneira. Também aprendemos que é melhor desenvolver repertórios temáticos, reunindo peças de música em torno de uma ideia, um estilo ou um período da história.

Além de tudo isso, temos ensaios semanais, independentemente de termos compromissos ou não, e tratamos a música como uma linguagem, e por isso tocamos de cor, mesmo quando há partituras no palco. Para entender essa questão, você pode imaginar se acreditaria na história interpretada por um ator que está lendo seu texto no palco e compará-lo com aquele que interpreta tudo de cor. Claro, além dessas, existem também outras questões que decorrem de tratar a música como uma linguagem.

Como são desenvolvidos os novos programas de concertos ou ideias para CDs? Quem foi a mente criativa por trás do seu último CD “Tunes!”? Uma ideia de CD não convencional onde trilhas sonoras são trazidas à vida.

Muitas ideias nasceram há muitos anos e, ao longo do tempo, conseguimos concretizar algumas delas. A ideia por trás de “Tunes!” surgiu por volta do ano de 2012, mas muitos projetos surgiram antes dela e só conseguimos realizá-la agora. Algumas músicas estavam em nossas mentes desde então, como os temas do Mario e do Zelda, e precisamos fazer pesquisas para encontrar outros temas, como o tema do Skyrim, por exemplo. A mente por trás dessa ideia e também dos arranjos é Gustavo de Francisco.

Os temas de videogames de 8 bits, como Zelda e Mario, eram muito naturais de serem transcritos para um quarteto de flauta doce. Até mesmo o som do jogo é semelhante ao som da flauta doce, e muitos desses temas foram compostos para quatro vozes. Não estávamos restritos apenas a jogos, estávamos em busca de músicas que estivessem gravadas em nossos corações, ativando memórias dos anos 80 e 90 e de nossa infância, é por isso que escolhemos também alguns temas de desenhos animados e alguns de programas de TV e jogos mais atuais. Acreditamos que pelo menos dois temas de “Tunes!” você deve ouvir, que são “Monster’s Inc.” e “A Bela e a Fera”.

Em 2016, 10 anos após o nascimento do grupo, gravamos “A Arte da Fuga” de J. S. Bach. Tínhamos essa peça em mente desde o início em 2006, mas era impossível tocá-la em nossos instrumentos daquela época porque gostaríamos de tocá-la na afinação de 415Hz, e também a extensão de cada contraponto da obra é desafiadora para as flautas doces, às vezes ultrapassando em muito a extensão de 2 oitavas e uma segunda que os instrumentos barrocos possuem. Em 2014, adquirimos nosso grande-baixo em 415Hz, o que nos permitiu realizar esse projeto. As transcrições para flautas doces foram feitas por Gustavo a partir de manuscritos de Bach quando disponíveis, e da primeira edição para os movimentos que não estão no manuscrito de Bach. Tivemos que adquirir mais flautas para completar este projeto, uma contralto barroca em sol, uma soprano em si bemol e uma tenor em si bemol, todas com afinação A=415Hz.

Para o “Caboclo”, a ideia era focar no repertório brasileiro do século XX, apresentando grandes e conhecidos compositores, ótima música e flautas doces modernas. Temos duas peças originais para flautas doces, sendo uma delas dedicada ao grupo, todo o resto são músicas para cordas, piano, metais ou voz, que foram arranjadas para flautas doces modernas por Gustavo, utilizando a extensão ampliada proporcionada por esses instrumentos.

Como vocês costumam organizar os programas de CDs ou de concertos? Existe uma certa ordem, as tarefas são distribuídas no grupo? E vocês ensaiam regularmente ou em blocos? Quais são os passos necessários desde a ideia até o programa final?

Nós ensaiamos regularmente, dedicando um dia inteiro por semana para os ensaios. Gustavo fica responsável pelos arranjos e pela parte de agenciamento/produção, enquanto Renata cuida do marketing e das redes sociais. Todos nós tocamos o repertório de cor, o que é um desafio por si só. O fato de nos encontrarmos regularmente é crucial para manter a criatividade e ter novas ideias sobre repertórios e outras questões. Trabalhar em blocos não é ideal para a forma como produzimos nossa música.

É difícil dizer quantos passos são necessários desde a ideia até o programa final, porque cada repertório é único, e os desafios são diferentes para cada um. De qualquer forma, temos uma ideia e precisamos pesquisar formas de realizá-la; às vezes, precisamos de mais instrumentos, outras vezes, de outros recursos (como projeções ou equipamento de palco) e a própria música apresenta seus desafios. Geralmente, quando estamos ensaiando um novo repertório, alguém já está pensando no que virá a seguir, pesquisando novas músicas e fazendo arranjos, entre outras coisas. Às vezes, o arranjo não funciona quando tocamos e precisamos fazer ajustes.

Poderíamos resumir da seguinte maneira: ter uma ideia, pesquisar repertório, ouvir música, fazer os arranjos, ensaiar cada música, pensar no marketing e textos, ensaiar, testar todas as músicas juntas, fazer um ensaio geral, gravar um álbum. O último passo em si envolve muitos outros passos.

Desde o início da pesquisa de repertório até o concerto de estreia, pode facilmente durar mais de 2 anos. Do primeiro ensaio ao concerto, cerca de um ano.

Grande parte da sua música é tocada de memória? Qual é a ideia por trás disso? Onde você vê as vantagens dessa prática?

Nosso objetivo é tocar tudo de cor ou de memória. Às vezes, na estreia de um novo repertório, usamos as partes, mas todos os músicos já estão tocando de cor.

Prefiro dizer “de cor” em vez de “de memória”; em português, dizemos “decor”, que significa o mesmo que em inglês e francês, “de coração”. Isso faz parte da ideia por trás disso, porque quando fazemos algo de cor, significa que todo o nosso corpo e mente estão conectados para realizar a ação, e não precisamos de mais nada, apenas de nós mesmos. Isso melhora a autoconfiança e nos permite ter uma ótima comunicação com a plateia.

Como mencionado antes, a música é uma linguagem, e quando estamos falando [ou tocando], não procuramos as palavras no dicionário; nem um ator lê seu papel se quiser mexer com o humor da platéia, ou mesmo um dançarino nunca lê os passos no palco. Então, para fazer música, comunicamos uma mensagem por meio das notas, ritmos, articulações e mais, e para isso, precisamos fazê-lo de cor. Há algo mais: do ponto de vista da plateia, as partituras podem ser uma barreira que cobre (ou protege) o artista, inibindo uma ótima comunicação e dificultando ver o que o artista está realmente fazendo no palco.

Para o aprendizado musical, tocar de cor também é uma grande vantagem. Mas eu poderia escrever um livro inteiro sobre isso, e poderia ser um tema para a próxima entrevista.

Como podemos imaginar a cena da flauta doce no Brasil? A flauta doce é um instrumento aceito e popular? Muitos jovens escolhem a flauta doce?

Neste aspecto, acredito que nenhum país no mundo tenha a tradição que vocês têm na Alemanha, e também, como têm nos Países Baixos. Talvez tenhamos uma grande comunidade em Taiwan no futuro próximo, onde vejo muitos jovens flautistas tocando muito bem.

No Brasil, muitas escolas regulares utilizam a flauta doce nas aulas de música, e também temos muitos entusiastas da flauta doce. Nas escolas de música e conservatórios, temos bons professores de flauta doce, mas artisticamente, não há muitos flautistas doce ativos proporcionalmente ao tamanho do país, quando comparado com a Europa.

Existem muitas crianças e adolescentes que escolhem a flauta doce como instrumento, mas muitos deles desistem ou mudam de instrumento depois que alguém sugere que toquem em uma orquestra ou um instrumento de música pop.

Acredito que a flauta doce sempre será um instrumento muito atraente devido à sua simplicidade, baixo custo e tamanho compacto. O que devemos fazer, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, é inserir a flauta doce em cenários musicais nos quais ainda não está presente, como a música pop, a orquestra ou na música de câmara com outros instrumentos “canônicos” como cordas, piano e voz. Dessa forma, teremos a flauta doce sendo apresentada para públicos maiores.

Existem projetos ou metas dos sonhos que vocês gostariam de alcançar no futuro?

O projeto dos sonhos é que a Quinta Essentia ganhe vida própria, não dependendo de nós para continuar, mesmo que decidamos nos aposentar. Ao longo desses anos, muitas pessoas tocaram conosco, e dedicamos muito esforço e energia para manter o grupo quando alguém decidiu sair. Não é uma tarefa fácil. De qualquer forma, foi gratificante fazer cerca de 25 concertos por ano, uma turnê internacional por ano, tocando em todos os continentes até agora, e nossa maior plateia para um concerto foi de cerca de 2000 pessoas. Desculpe, um engano, ainda não tocamos na Antártica, deveríamos tocar para os pinguins lá?

Para o futuro próximo, temos dois novos programas que ainda não gravamos: “Estações Impressionistas”, com obras de Ravel, Debussy, Satie, Piazzolla e Boulanger, e “Abendmusik”, com obras de Buxtehude, Muffat, Pachelbel, Telemann e Bach. Toda essa música é realmente especial, e os arranjos no programa impressionista são realmente incomuns, misturando flautas doces modernas e renascentistas.

O que você acha que um bom conjunto de flauta doce precisa? É o suficiente apenas tocar a música?

Nunca é suficiente apenas tocar bem. Acredito que todos nós conhecemos pessoas que tocam bem um instrumento, e isso não é suficiente para ter sucesso neste mercado, especialmente no mundo “Lalaland” da flauta doce. Precisamos ser empreendedores, o que significa que devemos cuidar do que fazemos da mesma forma que os gestores de negócios cuidam de suas empresas.

Precisamos tocar bem, porque este é nosso melhor e mais valioso recurso; mas isso não significa nada se não conseguirmos transformar esse recurso em algo que as pessoas estejam interessadas. Isso exige planejamento, marketing, produção, investimento, lidar com diferentes pessoas, aprender outros idiomas, assumir riscos e enfrentar tudo isso fazendo tudo por diversão. No final, estamos conectando pessoas usando a música para isso. A música é o caminho, não o objetivo final.

Turnê Bolívia 2022 – Festival Misiones de Chiquitos

Antes de te contar tudo o que aconteceu nessa turnê, um pequeno exercício de empatia:

Imagina você, um músico instrumentista e seu grupo com 16 anos de estrada nacional e internacional, se vê “parado” por quase 3 anos, muito devido à pandemia da Covid-19. No mínimo entediante, não é mesmo?

Agora você, com essas mesmas qualidades, se vê rumo à uma turnê com 5 concertos que rodará a Bolívia para tocar em igrejas e povoados, com expectativas de conhecer pessoas novas, diferentes culturas…

Aí, sim! A alegria reinou nesse quarteto!

 

 

 

 

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Flauta doce é instrumento transpositor?

Muitas pessoas perguntam se a flauta doce é um instrumento transpositor. Essa pergunta faz algum sentido, já que temos flautas de diferentes tamanhos, onde seu tubo com todos os furos fechados resultam em notas diferentes dependendo do tamanho do instrumento.

Mas antes de responder a essa pergunta, é bom definir o que é um instrumento transpositor:

Instrumento transpositor é aquele que, por qualquer razão, tem suas notas anotadas na partitura em altura diferente da nota que soa o instrumento.

Em todas partituras de instrumentos transpositores e para evitar ambiguidades, é necessário descrever a tonalidade do instrumento que vai tocar aquela partitura. Se for um clarinete em Si b por exemplo, o músico sabe que onde estiver escrito Dó, ele deve tocar um Si b.

Isso não acontece em nenhuma flauta doce. Bem… quase isso.

Na verdade, a soprano, sopranino e baixo são instrumentos transpositores de oitava, pois essas flautas soam uma oitava acima do que está escrito na partitura. Mas ainda nesses instrumentos, um dó é sempre um dó. Instrumentos transpositores de oitava, como por exemplo o violão que soa uma oitava abaixo do que está escrito na partitura, quase sempre não são considerados transpositores por outros músicos.

Como vemos, o dedilhado que fazemos nada tem a ver com o instrumento ser transpositor ou não.

Vamos conhecer alguns exemplos

A flauta tenor é do mesmo tamanho da flauta transversal e por isso a sua escrita é exatamente a mesma da flauta transversal.

A flauta soprano tem o tamanho do piccolo, e por isso, tem o som oitava acima da nota que está escrita na partitura.

Exemplos de instrumentos transpositores são o saxofone, a clarineta, o trompete e a trompa.

No saxofone, por exemplo, todos os instrumentos da família (soprano, alto, tenor, baixo, barítono) têm exatamente a mesma escrita, sempre em clave de sol. A nota escrita na partitura está relacionada diretamente ao dedilhado usado, e o som que sai é diferente do que está escrito.

Na flauta doce não funciona da mesma forma. Cada flauta tem uma escrita própria, com cada nota associada ao som que sai do instrumento, mas o dedilhado de cada nota é diferente em instrumentos diferentes.

Vemos acima a tessitura e como escrevemos a partitura para diversos instrumentos da família da flauta doce. Aquelas que possuem o número 8 ou 16 acima ou abaixo da clave, indicam uma transposição de oitava.

Mas por que existem instrumentos transpositores?

Será que há uma razão histórica?

A resposta é diferente para instrumentos diferentes.

Nos metais, que só tinham notas da série harmônica natural, eram transpositores desde o início. As válvulas foram inventadas depois. Naquela época, o compositor sempre usava uma trompa na tonalidade da música que estava escrevendo, e o instrumentista adicionava uma extensão no instrumento, que alterava sua tonalidade. Para que a leitura não se alterasse a cada música que era tocada, a partitura era transcrita sempre.

Nas madeiras a razão é diversa, e devemos levar vários fatores em questão.

Instrumentos construídos na França eram afinados em um diapasão diferente quando comparados com os italianos. Às vezes um tom abaixo, às vezes uma terça menor abaixo, ou mesmo uma terça maior abaixo. A França tinha a tradição de construção de instrumentos de sopro (Familia Hotteterre principalmente) enquanto a Itália tinha tradição de instrumentos de corda.

Para que instrumentos de origens diferentes pudessem tocar em conjunto, o compositor transpunha as partes para cada um.

Há cantatas do Bach onde o coro e o órgão estão em um tom, as cordas em outro, e os sopros em outro, já que a origem de cada instrumento era diferente.

Isso fica claro em algumas cantatas do Bach, por exemplo na BWV 31, BWV 150 e BWV155, onde Bach diferencia dois instrumentos: Fagotto (de origem italiana) e Bassono (de origem francesa), ambos chamados hoje em dia de fagote que sabemos que não é um instrumento transpositor. Mas nesse caso, notamos que cada um desses instrumentos estão com notação em tons diferentes do resto dos instrumentos, indicando que cada um deles soava uma terça menor de diferença entre eles. Para saber mais, recomendo a leitura do livro “The History of Performing Pitch” de Bruce Haynes, onde em seu capítulo 6, o autor explica em detalhes esses casos nas cantatas de Bach.

No período barroco, a flauta transversal (chamada de traverso) era um instrumento em ré, pois o traverso com todos furos fechados soa a nota ré, mesmo assim, a notação sempre foi em dó, isto é, sem transposição. Posteriormente, conforme as chaves foram adicionadas, a flauta transversal ganhou mais notas graves, chegando até o si grave, mesmo assim a escrita continuou sendo em dó.

Existe a questão das famílias de instrumentos de tamanhos diferentes, também chamada de Consorts. A flauta doce tem essa tradição desde a Idade Média e da Renascença, assim como outros instrumentos como o shawn, a viola da gamba, a sacabuxa, onde os instrumentos geralmente tocavam dobrando as partes de um coro, seja na música da igreja, seja na música profana, e dessa forma, como essa música vem da tradição da música vocal, onde nenhuma das partes é transpositora.

Já demos o exemplo do saxofone, mas isso também acontece na família da flauta transversal, da clarineta, do oboé, mas não na flauta doce… O oboé também tem uma família de instrumentos de tamanhos diferentes que já era usada desde o séc. XVIII, sendo o oboé (em dó), o oboé d’amore (em lá bemol), o oboé da caccia ou taille (em fá), e cada um desses instrumentos tinha sua leitura transposta desde aquela época.

Mas por alguma razão, a flauta doce não funciona da mesma maneira. Talvez isso aconteça pela tradição de consorts da Renascença, ou seja porque a flauta doce padrão, ou também chamada de flauta doce de concerto é a flauta contralto, com o Fá como nota mais grave, e não a soprano ou tenor com Dó na nota mais grave.

Outra provável razão para isso é que a flauta doce não estava associada ao ambiente da música sinfônica no período clássico e romântico; a flauta doce voltou a ser usada no séc. XX, principalmente após a década de 1960 com o movimento chamado de Música Antiga ou Música Historicamente Informada. Diferente da flauta transversal, oboé e clarineta, a flauta doce teve uma história diversa em seu desenvolvimento. Assim, a flauta doce usada hoje em dia é uma cópia do instrumento usado em meados de 1730, quando as flautas doces não tinham suas partituras transpostas por causa de seus diferentes tamanhos.

Para conhecer toda a família da flauta doce, recomendamos a leitura do artigo abaixo:

A família da flauta doce

 

Dando zoom nas flautas doces em quarentena

Tempos difíceis forçam os artistas a se reinventarem e serem mais criativos, encontrando novas maneiras de se conectar com o público

Em 24 de junho nós completaremos 3 meses em isolamento social. Infelizmente, ensaios, concertos e turnês foram canceladas, mesmo assim encontramos muitos aspectos positivos dessa nova situação: aulas presenciais foram transformadas em aulas online mantendo boa qualidade e dando uma excelente experiência para os alunos. Depois de mais de 13 semanas de isolamento, nós podemos compartilhar com o leitor o que aprendemos com essa situação, e tudo o que estamos fazendo para continuar fazendo música em conjunto e fortalecendo a comunidade da flauta doce.

Antes da pandemia, nós já tínhamos alunos à distância, alguns vivendo em outros países como Bélgica e Austrália, e alguns vivendo em regiões distantes aqui mesmo, no Brasil. A nossa experiência adquirida anteriormente com esses alunos fez grande diferença, nos ajudando a minimizar os problemas quando a quarentena nos obrigou a transformar os alunos presenciais para aulas à distância.

Nós ensinamos pelo Método da Língua Materna, também conhecido como Método Suzuki. Nós escolhemos este método pois acreditamos que todo mundo pode aprender a tocar um instrumento em alto nível quando entendemos e aprendemos música da mesma forma que aprendemos a nossa língua materna. Esse é um aspecto muito importante das nossas aulas, que torna possível ter uma grande satisfação e percepção do progresso ao estudar música, criar engajamento e senso de comunidade, e em desenvolver um lindo som desde o início do aprendizado. Esses valores são muito importantes no Método Suzuki e também são valores muito importantes nas aulas à distância para pessoas que estão em quarentena.

No Centro Suzuki de Educação Musical nós trabalhamos com professores de muitos instrumentos, como flauta doce, violão, violino, viola, cello, piano, voz e educação musical para bebês, onde todos professores ensinam o seu instrumento pelo método Suzuki onde temos uma aula individual e uma aula em grupo semanais. Com o início da quarentena, transformamos todas as aulas individuais em aulas à distância sem muitos problemas, mas tivemos que repensar no formato das aulas em grupo. Assim, nós desenvolvemos (e continuamos a melhorar dia após dia) novas estratégias e atividades para as aulas em grupo de acordo com os princípios das aulas em grupo no método Suzuki:

1 – Reforçar habilidades aprendidas nas aulas individuais

Um aluno toca para os colegas, e cada um dos colegas compartilha um comentário positivo sobre a performance. Depois que todos comentaram, nós, como professores, comentamos algo especial e alguma coisa a ser melhorada

2 – Utilizar a revisão do repertório para o aprendizado de novas habilidades e preparação para performance

Desligamos o áudio de todos participantes da aula online, e tocamos uma música para todos os alunos de forma que todos podem tocar junto com o som do professor. Os pais, que sempre assistem as aulas dos filhos, gravam o aluno tocando com o professor, e enviam o vídeo de volta para nós após a aula.

3 – Alimentar a comunidade

Algumas vezes convidamos algum professor estrangeiro para participar das aulas em grupo, e nossos alunos também são convidados para participar em atividades organizadas por outros professores. Já tivemos a participação de Paul Leenhouts em nossas aulas em grupo, muitos alunos participaram no projeto Global Community Recorder Orchestra organizado por Sarah Cantor, e também em muitos recitais online organizados pela comunidade Suzuki ao redor do mundo.

4 – Desenvolver habilidades de tocar em conjunto (música de câmara)

Este é o aspecto mais desafiador, principalmente por causa da latência nas chamadas de vídeo. Para superar essa limitação estamos fazendo isso no modo offline, onde cada aluno grava sua parte sozinho, e editamos e colocamos todos tocando juntos por edição de vídeo.


Sobre as ferramentas que utilizamos, atualmente usamos o Zoom para aulas online pois este aplicativo possibilita a melhor qualidade de áudio e vídeo quando comparado com outros apps disponíveis, como o Google Meet, Skype, Messenger, Jitsi entre outros. Ele também oferece muitas outras funções, como o áudio original, fundo virtual, chat, agendamento, salas secundárias, gravação, transmissões no youtube e facebook, e muito mais. Nós também usamos outros aplicativos junto com o Zoom, tais como SnapCamera e OBS Studio, onde podemos adicionar efeitos especiais às nossas aulas.

Algumas vezes, acompanhamos os alunos por WhatsApp, onde o aluno grava em áudio ou vídeo alguma tarefa específica, e podemos avaliar e manter contato sem ter que esperar até o próximo encontro na semana seguinte.

Além das aulas individuais e em grupo à distância, nós nos reunimos regularmente com outros três professores de música de forma a ter novas idéias no uso de aplicativos de reunião virtual para aulas online, para testar e melhorar o equipamento usado em chamadas de áudio e vídeo, e para desenvolver novas estratégias para melhorar a qualidade das aulas, tanto tecnicamente quanto pedagogicamente.

Assim, junto com os professores André Isaia, Priscila Petrucci e Daniel de Lima, nós oferecemos dois webinários onde compartilhamos estratégias de ensino e aspectos técnicos das aulas com mais de 500 professores de música e entusiastas. Ainda tem mais vindo por aí.

E tudo isso por quê? Fazemos tudo isso pensando no bem dos nossos alunos. Muitas pessoas estão se sentindo como se estivessem no campo de batalha lutando com um inimigo invisível, ou simplesmente se sentindo extremamente solitário pela quarentena forçada, e em ambos os casos isso causa consequências emocionais muito sérias. A aula de música é o momento da semana que o aluno pode fazer música, curtir a beleza, conversar com os amigos, aprender e desenvolver novas habilidades; e tudo isso traz uma grande e benéfica influência no bem estar dos alunos.

Apesar dos desafios, nós enfrentamos a situação reinventando as aulas para manter a qualidade das mesmas. Os alunos agora estão tendo uma nova experiência de aprendizado, e algumas das estratégias que aprendemos serão usadas mesmo após o término da quarentena.

No Centro Suzuki de Educação Musical, o Gustavo ministra aulas para os adultos enquanto a Renata ministra aulas para as crianças e adolescentes. Nosso trabalho é baseado no desenvolvimento do caráter através da música, e em tempos difíceis como estamos vivenciando, os estudantes estão tendo a experiência de quanto a linguagem musical pode fazer em nossa mente emocional. Para esses estudantes, a música se tornou uma coisa constante em seu “novo normal”, e já estão sentindo que a música nos transporta para um novo mundo particular, e isso nos faz sair de uma situação horrível e ainda nos ajuda a enfrentar essa situação.

Gustavo de Francisco e Renata Pereira

@gustavo5e @renataflauto

Caboblo, homenagem à Música brasileira – Pré lançamento exclusivo

VOCÊ pode fazer desse ano, o Ano da Flauta Doce no Brasil!

Só depende de você!

Você já passou por aquela situação de gostar muito de algo e quando vai com o coração aberto pra compartilhar com alguém, acaba levando um balde de água fria?

Pois é! Infelizmente no Brasil, nós flautistas passamos por isso quase que diariamente no que diz respeito à Flauta Doce.

A hora é agora! Contribua com

CD CABOCLO E O ANO DA FLAUTA DOCE NO BRASIL

Basta seguir este link para a campanha no Kickante

A falta de conhecimento (ou até mesmo a falta de uma formação de melhor qualidade) leva as pessoas a não darem o devido reconhecimento a esse instrumento tão versátil que é a Flauta Doce. Muito mais que um brinquedo, ela é um instrumento único e com capacidades diversas, e está em pé de igualdade com qualquer outro instrumento que conhecemos na Música.

Este ano, definimos que será o ano da Flauta Doce no Brasil! E que vamos nos juntar à comunidade dos que declaram #amamosflautadoce, e de fato agir visando uma mudança positiva no que diz respeito ao cenário brasileiro para esse instrumento tão mágico.

Participantes da Maratona de flauta doce de São Paulo - 2019

 

Afinal de contas, se o preconceito ou a diminuição do instrumento vem pela falta de conhecimento, vale lembrar que não podemos dizer que não gostamos de algo sem antes experimentar, não é mesmo?

Então apresentamos pra você o que há de melhor na FLAUTA DOCE, com nada mais do que nossa amada MÚSICA BRASILEIRA!

Porque Caboclo?

Escolhemos mais que um nome para o novo CD, escolhemos homenagear nosso país, tão rico e tão diverso, e por vezes tão menosprezado e vítima de preconceitos.

A palavra caboclo fala da mistura do índio com o branco, já o do nosso CD, vem da mistura da Flauta Doce e seu universo – desde a Antiguidade – junto com a Música Brasileira, tão rica em ritmos, acordes e melodias.

depois de rodar o Brasil e o mundo, escolhemos este ano como o momento exato para voltar todas as nossas energias para o Brasil e a música brasileira.

Olha quantos lugares já tocamos!  

Foram 325 ao total!

Em todas as nossas viagens, CD´s e participações, sempre ficou muito claro: quando nos juntamos em prol de algo em comum, tudo acontece da maneira mais forte que se pode ter. Os eventos acontecem, os CDs saem, mas mais do que isso: a cada passo a nossa comunidade é fortalecida. 

Ao gravar esse CD demos um passo ao fazer nossa parte na divulgação da música brasileira e da Flauta Doce, no Brasil e no mundo. Juntar os dois é como acertar dois alvos com uma só flecha: a Música e a Flauta seguem juntas na valorização do nosso povo e nossa cultura.

Mas sozinhos não conseguimos – nem queremos – finalizar nossas ideias. Por isso precisamos de você!

Uai, mas se vocês já gravaram o CD? Pra que serve a campanha então?

Se você quer saber os mínimos detalhes dessa história, clique aqui.

Mas o que posso lhe dizer é que em Abril do ano passado aproveitamos uma oportunidade de ouro para gravar o Caboclo no que há de melhor no quesito: estúdio, gravação e profissionais de ponta, realizando assim, nosso sonho de décadas: captar a mais perfeita acústica natural da Flauta, de forma que podemos levar a música brasileira através da Flauta Doce com a qualidade que nossa cultura e nosso instrumento merece!

Fora que tivemos esse momento indescritível de tocar na Embaixada do Brasil em Berlim e também para um público de mais de 1000 nesta sala na China!

O ano de 2019 foi mesmo muito especial! E pra 2020, não esperamos nada menos que todo o nosso Brasil amando a Flauta Doce tanto quanto nós e tendo muito, mas muito orgulho da música que temos!

Mas o que eu vou encontrar de tão especial nesse álbum? 

  • Flauta Doce em composições diversas;
  • Vários tipos de Flauta Doce (SIM! Existem vários tipos!), incluindo as enormes Flautas quadradas Paetzold;
  • Estreia mundial e exclusiva para grupo de Flauta Doce;
  • Compositores e Arranjadores BRASILEIROS dessa e de outras épocas;Um encarte com uma arte gráfica que faz juz ao nome arte, exclusivamente pensada para o Quinta Essentia – Caboclo;
  • Encarte trilíngue (Português, Inglês, Alemão);
  • Muito amor e suor;
  • Trabalho duro;
  • Os compositores:
    • Heitor Villa-Lobos,
    • Radamés Gnattali,
    • Tim Rescala (VOCÊ PRE-CI-SA saber mais sobre ele em timrescala.com.br !),
    • César Guerra-Peixe e
    • Daniel Wolff (VOCÊ PRE-CI-SA saber mais sobre ele em danielwolff.com !).​

Porque então recorrer a um financiamento coletivo?

Porque ainda temos muitos desafios a enfrentar!

Ao comprar os nossos presentes (chamamos assim porque preparamos mesmo com muito amor!), você financiará:

  • Os custos para finalização do trabalho, ou seja, o frete internacional, impostos (que somam 50% do valor final do produto), e parte dos custos do estúdio;

  • Arte, música de qualidade em nosso país;

  • A prática da música de câmara brasileira;

  • Crescimento em qualidade da comunidade que ama Flauta Doce;

  • Conteúdo gratuito em nossas redes sociais e blog;

  • Reconhecimento da Flauta Doce no Brasil;

  • A música brasileira sendo representada no Brasil e no mundo através do que amamos: Flauta Doce!

Queremos, e precisamos de você junto conosco!

Porque nesse caminho tem lugar pra todos, e juntos somos mais fortes!

Vem com a gente!

Vamos juntos divulgar e compartilhar tudo isso!

O trabalho do Quinta Essentia é um pontapé inicial de algo muito maior: a valorização da flauta doce e de todas as pessoas e grupos que estudam esse instrumento, que a ensinam e que devem ter a livre escolha de poder dizer: quero fazer da flauta doce a minha profissão, a minha bandeira! 

 

Com carinho e muito ânimo de fazer o melhor pela Flauta Doce no Brasil.

Quinta Essentia

A hora é agora! Contribua com

CD CABOCLO E O ANO DA FLAUTA DOCE NO BRASIL

Caboclo: a música brasileira correndo o mundo

IR PARA A CAMPANHA: PRÉ-VENDA CD CABOCLO

 

 

O ano 2019 foi muito especial, foi um ano de novas conquistas e realizações. Uma delas foi a gravação deste álbum, CABOCLO, vou contar como foi.

Em 2016, fizemos uma campanha no Kickante para a finalização de nosso disco A Arte da Fuga, foi quando recebemos um convite do selo alemão ARS-Produktion para lançar o disco na Alemanha. Quem acompanha o nosso trabalho e já tem esse disco, já viu e ouviu que o resultado foi primoroso, tanto no áudio quanto na arte gráfica (leia as resenhas aqui, aqui, aqui ou aqui).

Pois bem, desde então estivemos buscando oportunidades para fazer uma produção completamente internacional, levando de nosso país apenas a nossa música. Como dinheiro não cai do céu, e o estúdio, a viagem, e o trabalho de todos envolvidos não é gratuito, estávamos aguardando a chance de aliar uma turnê internacional com a gravação do disco, de forma a ter ao menos os custos da viagem cobertos.

A oportunidade veio quando fomos convidados para tocar no Shenzhen Belt & Road Music Festival, na China. Já estávamos em negociação com o festival desde de 2017, mas o convite chegou em 2018 para o festival que aconteceria em abril/2019 – sim, turnês internacionais são negociadas com mais de 1 ano de antecedência. Ué, mas o festival era na China, e a gravação na Alemanha? Sim, para ir até a China, fizemos um stop-over de 10 dias na Alemanha, gravamos o disco e fizemos um concerto na Embaixada do Brasil em Berlim, aproveitamos para levar nossos instrumentos para manutenção com os luthiers alemães, depois fomos para a China quando tocamos em Shenzhen para um público de mais de 1000 pessoas nesta sala de concertos, fomos também a Hong Kong onde demos aulas e masterclasses para um grupo de flautistas, e na volta, fizemos mais uma parada na Alemanha de apenas 1 dia.

A gravação do disco Caboclo foi na cidade de Wuppertal, na região nordeste da Alemanha, próximo as cidades de Essen, Köln e Düsseldorf. Gravamos em uma igreja bem antiga, que a prefeitura queria demolir para construir um empreendimento. Os músicos e gravadoras da região se uniram para evitar que isso acontecesse, pois a igreja tinha uma ótima acústica e era frequentemente requisitada para concertos e gravações. Assim, com essa união, impediram a demolição da igreja, e ainda mais, foi criado um centro cultural no prédio da igreja, que foi transformada em um estúdio e sala de concertos. As janelas e portas antigas foram substituídas por outras modernas e com tratamento acústico, o piso por um piso suspenso com todo o cabeamento embutido, dois palcos, um coro, a sacristia virou o foyer da sala de concertos…

A logística de turnês costuma ser intensa, pois temos que fazer muita coisa em pouco tempo, pois cada dia a mais significa aumentar custos da viagem (que são pagos em euros), e também ter que cancelar mais compromissos no Brasil.

Chegamos na Alemanha pelo aeroporto de Frankfurt, um dos maiores aeroportos do país e que possui conexões para diversos outros países. Isso reduziu bastante os custos da viagem. Mas nosso primeiro compromisso era em Berlim, foram 5 horas de viagem em trens rápidos (que podem chegar a 300Km/h) a partir de Frankfurt. Depois de 12 horas de vôo, mais 5 horas no trem (sem contar a espera no aeroporto ou estação de trem), chegamos em Berlim esgotados. No dia seguinte teríamos um concerto importante, na Embaixada do Brasil em Berlim.

O  concerto foi lindo, com casa cheia, muita gente importante na platéia que eram convidados da Embaixada. Conhecemos muita gente nova que adorou nossa música.

Tivemos o sábado livre, e já no Domingo foram mais 4h de trem até Wuppertal. Segunda começariam as gravações, então fomos verificar o estúdio, ensaiar, verificar todos instrumentos, descansar para dar o máximo durante as gravações.

Engraçado lembrar de tudo isso. A gravação foi tão intensa, que para mim é como se eu estivesse entrado no estúdio num dia, e ao final do dia estivesse tudo pronto. Foram 5 dias de muito trabalho e muita concentração, cuidando de cada segundo da música. O resultado você pode ouvir no álbum.

Ao fim das gravações, tivemos um fim de semana livre. Ufa! a cabeça estava a mil por hora, reencontramos um grande amigo cravista, Daniel Ivo, que hoje mora na Alemanha e trabalha numa editora de partituras. É sempre bom reencontrar amigos.

Neste fim de semana, conhecemos uma sorveteria, disseram que seria a melhor sorveteria do mundo! Para quem estiver na região, conheça a Eiscafe Ratingen.

Depois da Alemanha – a caminho da China!

Na segunda-feira, mais uma jornada, dessa vez ao outro lado do mundo. Seriam mais 2 horas de trem até Frankfurt, mais a espera do vôo, mais 15 horas dentro do vôo até Hong Kong, mais algumas horas de carro até Shenzhen – fora controle de passaporte, bagagens, fuso horário, línguas diferentes, comidas diferentes…

Fomos muito bem recebidos pela Xi (que preferia ser chamada de Xi Xi que é a maneira carinhosa de dizer o diminutivo do nome dela). Ela, que já havia cuidado de toda a produção antes da viagem, estava lá pessoalmente para nos receber, e levar-nos junto com uma orquestra italiana até Shenzhen. Muita burocracia na alfândega entre Hong Kong e China, e uma vista maravilhosa da bahia de Hong Kong no fim de tarde, passando por uma das pontes mais longas do mundo.

Foram 2 dias para se acostumar com a diferença de fuso-horário (são 11 horas de diferença em relação ao horário de Brasília), onde aproveitamos este tempo para ensaiar, gravamos entrevistas para a TV local, e dormimos. A comida é um capítulo à parte, que merece um post culinário para descrever.

O concerto foi na sexta feira à noite, no Nanshan Culture Center, um teatro para mais de 1000 pessoas, que estava praticamente lotado.

Fizemos novas amizades no oriente, os flautistas de Hong Kong Ivan, Desmond e Kevin escreveram para nós na véspera da viagem, e pediram para que fizéssemos um masterclass para os flautistas de Hong Kong. Assim, no sábado após o concerto, saímos bem cedo do hotel, viajamos 2 horas de Shenzhen até Hong Kong, e passamos o dia inteiro com eles tocando, ensaiando, tivemos algum tempo para um city-tour, e no sábado à noite nos deixaram no aeroporto para voltarmos.

Essa deve ter sido a viagem mais longa da minha vida até o momento. Com algumas paradas, eu sei, mas sem nenhuma cama para restaurar as energias. Saímos de Hong Kong no sábado à noite, para chegar em Frankfurt no domingo pela manhã.

De volta à Alemanha

Lembra quando eu disse que fizemos manutenção nos instrumentos? No início da viagem, fizemos uma parada estratégica em Fulda, onde existem muitos luthiers de flauta doce. Deixamos as nossas flautas quadradas para manutenção, e o luthier nos emprestou outras flautas novas como as nossas, para que pudéssemos tocar durante a gravação e na turnê para a China. Agora era hora de devolver os instrumentos, e pegar os nossos de volta.

Então desembarcamos em Frankfurt pela manhã, pegamos um trem para Fulda, o luthier estava na estação de trem com nossos instrumentos, fizemos a troca, e voltamos para Frankfurt. Ainda teríamos a tarde toda livre, pois nosso vôo para SP só partiria tarde da noite. Então fomos curtir nossas últimas horas na Europa antes de voltar pra casa. Não curtimos tanto assim, pois estávamos carregando todos instrumentos nas costas, incluindo os grandes.

Chegamos em casa na segunda-feira, quase na hora do almoço. A contar que saímos do hotel na China no sábado de manhã (o que corresponde à sexta à noite no horário do Brasil), foram cerca de 60 horas desde que saímos do hotel até a hora que chegamos em casa. Só de lembrar, já penso que tá na hora do banho!

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Conheça e assista Quinta Essentia

matéria original: https:/musicaemletras.blogfolha.uol.com.br/2019/03/21/conheca-e-assista-quinta-essentia/
em 21/Mar/2019 por Carlos Bozzo Junior

Conheça e Assista é a seção do Música em Letras dedicada a perfis de artistas e profissionais relacionados à música. Muitos deles, embora com carreiras estabelecidas e reconhecidas por seus pares, não têm seus nomes identificados imediatamente pelo público.

Mesmo para quem milita na área, como é meu caso, histórias e trajetórias de personagens que contribuem de modo relevante para nosso universo sonoro podem passar despercebidas. Por isso, aproveito para contar aqui como acontecem esses encontros, misto de atenção, acasos felizes, contatos e um pouco de sorte.

Nesse relato, conheça o quarteto de flautas doces Quinta Essentia e seus quatro integrantes, que embarcam para a Alemanha, onde gravam “Caboclo”, o quarto CD do grupo, e farão um concerto no dia 29, em Berlim. Na sequência, seguem para a China, onde se apresentarão, pela segunda vez, no dia 12 de abril.

Assista ao grupo tocando durante ensaio gravado com exclusividade pelo Música em Letras (veja vídeos no final do texto).

PRIMEIRO CONTATO

Conheci a música do Quinta Essentia fuçando na internet. Achei um grupo legitimamente brasileiro, com sólida carreira, indo para o quarto disco e com músicos dedicadíssimos à arte de amealhar o som, que é superbem trabalhado, estudado, bom de ouvir e de ver – flautas quadradas são no mínimo diferentes –, além do gancho: estão indo para Europa gravar, fazer concerto e depois para a China, onde também se apresentarão.

Comuniquei-­me com seus integrantes, armamos de nos encontrarmos em um dos ensaios do grupo, que aconteceu no Centro Suzuki de Educação Musical, na Vila Mariana, em São Paulo. O contato pessoal com o grupo acabou por elevar ainda mais minha estima pelo trabalho e pela dedicação “profissa” que seus quatro integrantes têm com relação à música.

Leia, a seguir, a trajetória desses preparados e qualificados artistas que representam não só o Brasil, mas a música feita com qualidade e respeito para o mundo.

GÊNESE

Gustavo Henrique de Francisco, 40, nasceu em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Foi ele o porta-­voz do Quinta Essentia na entrevista ao Música em Letras, que solicitou aos outros integrantes que respondessem por e­mail a algumas perguntas (veja texto no Quem é Quem no Quinta Essentia).

Flautista, Gustavo de Francisco, como é chamado artisticamente, é compositor, arranjador, professor de música, produtor musical e “mais um pouco”. Nos dois últimos repertórios realizados pelo grupo, “A Arte da Fuga” e “Caboclo”, praticamente todos os arranjos são dele.

Em ‘A Arte da Fuga’, reunindo composições de J. S. Bach (1685­-1750), por exemplo, não há instrumentação definida na partitura original. Assim, é necessário que sejam feitas algumas pequenas adaptações para os instrumentos que o grupo utiliza. “Escrevi os arranjos, além disso sou produtor do grupo e cuido, entre outras coisas, de correr atrás de concertos e fazer a assessoria de imprensa, como agora estou fazendo com você”, disse rindo o atarefado músico, que ainda desempenha a função de fotógrafo, além de ser engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em São Caetano do Sul.

O grupo Quinta Essentia surge em 2006. De 2006 a 2011, Gustavo trabalhou nos bancos Unibanco e Itaú como analista de sistemas, durante oito horas por dia. “Eram as oito horas no banco, mais quatro dedicadas ao Quinta Essentia, e quando tirava férias, fazia turnês com o grupo.”

A partir de 2011, o músico passou a se dedicar exclusivamente ao quarteto, além de alimentar o blog quintaessentia.com.br e, há quatro anos, desempenhar a função de professor de flauta doce no Centro Suzuki.

Gustavo é casado com Renata Pereira, 36, também integrante do grupo desde a primeira formação. Pedro de Magalhães Ribeiro Bruno e Francielle da Silva Paixão completam o quarteto na atual formação. “Com a primeira formação, tocamos de 2006 a 2012. Tivemos quatro formações, e o Pedro tocou conosco em 2013 saiu e retornou em 2017, antes de integrar a que nos encontramos e que espero dure muitos anos”, disse Gustavo, reconhecendo ser difícil manter um grupo artístico estável por um longo prazo. “Não é fácil, posso dizer isso financeiramente e humanamente. No início, houve um grande investimento de trabalho e o retorno financeiro para alguns ex-­integrantes, talvez, não tenha sido suficiente, o que pode ter provocado a saída deles. Sem falar que havia também outros projetos de vida, além do grupo, para essas pessoas”, explicou o músico sobre as várias situações que promoveram a mudança de integrantes do Quinta Essentia.

ÁLBUNS

“LA MARCA”

O primeiro disco do Quinta Essentia, “La Marca”, esgotado, foi gravado entre 2007 e 2008, segundo Gustavo, com o intuito de mostrar tudo o que seria possível tocar com a flauta doce. “Essa era a ideia inicial. Por isso, o repertório é bem variado, com música renascentista, barroca, popular, brasileira e contemporânea. É um apanhadão de tudo”, contou o músico afirmando que para que um grupo exista há de se ter um trabalho registrado fisicamente. “Isso é muito importante e assim, também com essa finalidade, gravamos esse disco”, disse o artista sobre o CD que traz, entre outras, “Um a Zero” (1946), de Pixinguinha (1897 – 1973); “Sonata 5” (1731), de Joseph Bodin de Boismortier (1689­ 1755); “Canzona Decima La Feliciana” (1596) e “Canzona Sesta L’Alcenagina” (1596), de Adriano Banchieri (1568 – 1634); e “Concerto em Fá Maior”, de Georg Philipp Telemann (1681­1767), além de “Sonho Novo” (2007), de Julio Bellodi e “Descascando Uva” (2007), de Claudio Menandro. Embora esgotado, o disco pode ser ouvido nas plataformas digitais.

“FALANDO BRASILEIRO”

Entre 2013 e 2014, o Quinta Essentia gravou e lançou o segundo álbum do grupo, “Falando Brasileiro”, fazendo jus ao nome do disco que acolhe músicas brasileiras. “Em 2010, fizemos um projeto, anterior a essa gravação, tocando o mesmo repertório e que teve uma ótima recepção de público e mídia. Por isso, resolvemos gravar”, falou o flautista sobre o disco que tem entre as músicas “Jura” (1928), de Sinhô (1888-­1930); “Desafinado” (1963), de Tom Jobim (1927-­1994); “Ponta de Areia” (1975), de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946­-2015); e “Choro pro Zé” (1992), de Guinga, com arranjo de Rafael dos Santos, além de “1a Suite Infantil” (1944), de Guerra Peixe (1914­-1993).

“A ARTE DA FUGA”

Em 2017, surge o terceiro disco do grupo “A Arte da Fuga”, com as 14 fugas e cinco cânones de J. S. Bach, gravados para o selo ARS, em Hamburgo, Alemanha. Entre as faixas de “A Arte da Fuga”, “Contrapunctus 1”, “Contrapunctus 2”, “Contrapunctus 3”, “Contrapunctus 4”, “Canon per augmentationem in Contrario Motu”,”Contrapunctus 12, a 4: rectus”, “Contrapunctus 12, a 4: inversus”, “Canon alla Decima – Contrapunto alla terza”; e “Contrapunctus 13, a 3: rectus”, além de “Canon alla Duodecima in Contrapunto alla Quinta”.

“Esse disco foi um marco, pois estávamos com dez anos de grupo e esse é um repertório que sempre queríamos tocar, inclusive na época em que gravamos o ‘La Marca’ já tocávamos um dos contrapontos do Bach, o ‘Contraponto 9’. Queríamos tocar a obra inteira, mas não tínhamos instrumentos para isso. Eram instrumentos especiais com afinação barroca, com o Lá 415 [Lá 415 é o nome coloquial dado ao som que produz uma vibração a 415 Hz e serve como padrão de referência para a afinação], e todo o consorte barroco [consorte é um conjunto instrumental, composto por instrumentos da mesma família e diferentes tessitura]. Desde a [flauta] grande baixo até a sopranino, e instrumentos especiais como a soprano em si bemol, a contralto em sol, uma tenor em em si bemol, e uma grande baixo em si bemol. Esta última flauta só existem quatro no mundo”, contou o músico que tentou formalizar um pedido para o luthier que havia fabricado, há 30 anos, as quatro relíquias. O artesão não topou a empreitada, pois, além de a construção desse tipo de flauta ser muito complicada, ele não tinha mais condições de fabricá-­las e não estava disposto a realizar a tarefa nem por uma alta quantia.

Diante da negativa do artesão, os integrantes do Quinta Essentia foram em busca dessa flauta, pois sem ela não seria possível gravar o CD. Após falarem com inúmeros luthiers, de vários lugares do planeta – que, segundo Gustavo, não são poucos –, acharam um que havia trabalhado na Yamaha, no Japão, que topou realizar a tarefa. “Hiroyuki Takeyama é seu nome e a flauta é da Yamaha, que não produz uma grande baixo em si bemol, com essa afinação específica na qual a nota lá está em 415, mas fizeram o instrumento especialmente para o Quinta Essentia. Essa flauta tem a nota mais grave, um dó, oitava abaixo do dó central”, disse o músico, sem revelar o valor da valiosa e rara peça que levou seis meses para ficar pronta, o que é considerado pouco tempo.

O grupo conta com um consorte renascentista utilizado para a execução de músicas desse período, embora, atualmente, não toquem um repertório que abarque esse tipo de música. O conjunto de instrumentos foi elaborado por Adrian Brown, exímio luthier britânico que mora na Holanda, e demorou cinco anos para ficar pronto, entre 2008 e 2013. “São nove flautas, mas na ocasião demorou bastante, porque a fila de espera era de cinco anos”, disse o músico.

“CABOCLO”

O repertório do novo CD do Quinta Essentia, “Caboclo”, será gravado na Alemanha pelo selo ARS e será apresentado no concerto que acontece na embaixada brasileira em Berlim, no dia 29 de março; e na China, dia 12 de abril, durante o Shenzhen Belt & Road Music Festival. “Na China, participaremos de um dos maiores festivais que acontecem por lá. É um festival monstruoso, enorme, e que dura o mês inteiro, com concertos de música erudita, tradicional chinesa, jazz e popular. Pediram que fizéssemos um repertório um pouquinho mais longo. Por isso, incluímos dois contrapontos de ‘A Arte da Fuga’”, contou Gustavo.

O disco com o repertório de “Caboclo” não tem data para ser lançado. “Nossa experiência com relação à gravação de discos é muito diversa, pois cada disco foi muito diferente do outro em relação a tempo de produção. Esperamos que saia rápido”, disse o músico do quarteto. Além dos discos do Quinta Essentia, o grupo fez participações especiais em dois CDs:“Um deles, gravado ao vivo, no festival de música antiga em Missiones de Chiquitos, na Bolívia, em 2014, no qual figuramos em duas faixas, que contêm quatro movimentos. Nossa outra participação especial está registrada, também ao vivo, no disco “Diálogos Improváveis” da CPFL Cultura, em 2015.”

Por que irão gravar na Alemanha? “O grande mercado consumidor está no hemisfério norte e não há como negar isso. Gravamos o ‘A Arte da Fuga’ aqui no Brasil, no estúdio excelente da FATEC Tatuí, com o professor do curso de produção musical, o flautista José Carlos Pires Júnior. Estávamos no processo de edição e recebemos o convite da gravadora alemã para publicarmos o disco na Alemanha, que nos ofereceu o selo para registrarmos o trabalho de maneira muito favorável”, disse Gustavo sobre o selo que abocanhou recentemente, segundo ele, o certificado de melhor selo de gravação de música erudita da Europa.

INSTRUMENTOS PARA TODOS OS SONS

A família das flautas doces é ampla, da mais aguda à mais grave temos: sopranino, soprano, contralto, tenor, baixo, grande baixo, contrabaixo, subgrande baixo e subcontrabaixo. “Sub é uma oitava abaixo da respectiva, ou seja, com uma subgrande baixo, toca­-se uma oitava abaixo da grande baixo e com uma subcontrabaixo toca­-se uma oitava abaixo da contrabaixo. A subgrande baixo quadrada que usamos tem cerca de dois metros e trinta centímetros de comprimento”, explicou o professor desse instrumento que em geral possui a extensão de duas oitavas “mais um pouquinho”. “As flautas modernas que usamos no repertório do disco que iremos gravar na Alemanha, o ‘Caboclo’, tocam três oitavas, o que vai muito além das flautas barrocas a que estamos acostumados”, explicou Gustavo.

O que produz a afinação em instrumentos de sopro é o tamanho do instrumento. “É o comprimento do tubo. No caso das flautas quadradas, colocamos um quadradinho ou mais de madeira que expande o tamanho do instrumento. Em flautas cilíndricas, é só abrir ou fechar mais o bocal na cortiça que o une ao corpo.”

Flautas doces podem custar de R$10 a 6 mil euros. No site do Quinta Essentia são comercializadas flautas de R$ 270 a um pouco mais de R$ 5 mil. Gustavo é representante, no Brasil, das flautas da fábrica alemã Mollenhauer, disponíveis sob encomenda aceitas por e­mail, telefone ou mensagem privada na página do grupo no Facebook. “Faço isso porque no começo, quando abrimos o Centro Suziki, tínhamos alunos que tocavam muito bem e no Brasil não se encontra, até hoje, flautas de excelente procedência feitas de madeira. Há algumas séries de flautas de resina da Yamanha que, para quem quer começar a estudar, são aceitáveis, mas não são excelentes. Para quem quer realmente se dedicar a esse instrumento, elas não são suficientes.”

Por que a flauta doce é especialmente útil para o início do aprendizado musical? “Acho que tem algo a ver com as histórias de criança que usam a flauta. Há muitas histórias na literatura com flautas, além disso temos a questão do tamanho do instrumento. A flauta doce soprano, que geralmente é usada nas escolas, tem um tamanho muito menor que outros instrumentos. A flauta transversal, o violino e o oboé, por exemplo, têm o dobro de tamanho da flauta doce soprano. Se você comparar o tamanho dos instrumentos, realmente a flauta doce é mais adequada para crianças.”

Quanto a instrumentos baratos, o professor Gustavo alerta: “Esses não são instrumentos de verdade e sim brinquedos. Costumamos fazer a seguinte comparação: quando você vê um piano de brinquedo não confunde com um de verdade, porque o de brinquedo é sempre bem menor do que o de verdade. Um violino ou violão de brinquedo idem, é sempre menor que um de verdade. No entanto, as pessoas, por alguma razão que não sei qual é, acham que a flauta de plástico é uma flauta de verdade, e não é. A flauta doce de verdade é sempre de madeira, e o som é muito diferente de um instrumento de qualidade comparado a um instrumento que você encontra em qualquer loja de música.”

FLAUTAS E REPERTÓRIOS

Há vários compositores compondo para flauta doce atualmente. No repertório de “Caboclo”, há duas músicas novas escritas recentemente por compositores brasileiros que escreveram as peças exclusivamente para o Quinta Essentia. “ Um deles é o Daniel Wolff, violonista e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). O outro excelente compositor é o Tim Rescala, que fez a trilha de abertura da novela ‘Meu Pedacinho de Chão’ [2014]”, disse Gustavo sobre o compositor, pianista e humorista que participou da Escolinha do Professor Raimundo, entre outros programas, e escreveu a peça “A Banda de Pífaros do Rei Arthur” para ser gravada exclusivamente pelo grupo.

Segundo Gustavo, nessa peça o compositor mistura um pouco da música medieval com um pouco da música nordestina. “Tem a cara dele, é uma trilha. Como a música é feita em quatro vozes tem essa cara de medieval e um resultado muito interessante”, falou o músico antecipando que a composição de Wolff, chama­-se “Flautata Doce”. “Na música temos sonata, tocata, cantata e como ele [Daniel Wolff] escreveu a música originalmente para flauta doce batizou-­a de ‘Flautata’”, disse Gustavo acrescentando que essas serão as únicas peças escritas originalmente para flautas doces. As demais músicas do CD têm arranjos escritos por Gustavo.

Entre as peças do repertório de “Caboclo” há músicas de Radamés Gnattali (1906-­1988), como o “Quarteto No 3”, originalmente escrita pelo maestro gaúcho para quarteto de cordas, transcrita para flautas, além de “Lenda”, “Seresta No 1”, “Seresta No 2” e “Cantilena”.

No repertório de “Caboclo” há quatro flautas quadradas e cinco modernas. “Depois da primeira turnê do grupo, em 2009, aprendemos muito. Tínhamos acabado de gravar o ‘La Marca’ e queríamos mostrar tudo o que conseguíamos fazer, além disso escolhíamos o repertório para usarmos todas as flautas que tínhamos. Fomos para a Itália, França e Alemanha usando 35 flautas, inclusive as grandes. Foi um transtorno, porque, além de nossas malas, havia muitas caixas para serem carregadas, despachadas e encontradas”, contou o músico que aprendeu, a partir dessa experiência, a não viajar com muitos instrumentos que, somados, podem chegar a mais de 60 flautas.

Ainda no repertório de “Caboclo” os músicos usam apenas um tipo de flauta, um consorte moderno. Em “A Arte da Fuga”, um consorte barroco, são usadas nove flautas totalmente diferentes, com outra afinação. Curiosamente, o consorte renascentista também tem nove instrumentos, além de flautas específicas que podem ser adicionas em cada um desses repertórios.

“Dependendo do que vamos tocar, adicionamos ou subtraímos as flautas. Outra coisa que fomos aprendendo com o tempo é quem toca o quê. Obviamente todos os músicos do quarteto tocam todas as flautas, mas na hora de escolher quem irá tocar o que, levamos em consideração o mínimo de vezes que iremos trocar de flauta dentro do repertório. Geralmente, quem troca mais de flautas é quem executa as vozes das pontas. Por exemplo, quem toca a flauta mais aguda, na próxima música vai para a mais grave. Quem toca as flautas do meio, por exemplo a tenor ou baixo, acaba ficando mais tempo com a mesma flauta, do começo ao fim, ou quase do começo ao fim”, explicou o professor que no repertório de “Caboclo” ataca de flauta soprano, contralto e contrabaixo. Renata Pereira toca soprano, contralto, grande baixo e subgrande baixo. Já Francielle Paixão segura a onda, quase o tempo todo, tocando flauta tenor, alternando-­a, às vezes, com a grande baixo, enquanto Pedro toca as flautas contralto e baixo.

CONCURSOS

O Quinta Essentia ganhou vários concursos de música. Entre eles, o Beverly Hills National Auditions, nos Estado Unidos (2018), Prêmio Estímulo de Música da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (2007), Concurso Nacional Jovens Cameristas Petrobrás (2007), Quartas Musicais BNDES (2017), Edital Arte Educação do SESI SP, com “Flauta, Flautinha, Flautão!” (2014) e ProAC da Secretria de Educação e Cultura de São Paulo, de gravação de disco e espetáculos, com “Falando Brasileiro” (2012/2013).

Indagado sobre qual a real importância de concursos de música e a legitimidade deles, o artista respondeu com uma história: “ Perguntei para uma amiga, que acabou de ganhar um concurso na Bélgica, por que as pessoas fazem concursos? Música não é esporte, e é complicado você julgar quem é o melhor e o pior, porque às vezes é só diferente. E ela respondeu: ‘Riqueza e glória’. É mais ou menos isso. Não acho que participar de um concurso seja algo que um artista precisa almejar, porém um concurso ganho abre portas e não podemos fechar os olhos para isso.”

No caso da música popular há, por exemplo, há o The Voice que, na opinião de Gustavo, é uma grande plataforma, onde o artista se torna conhecido. “O fato de você se tornar conhecido abre portas.Além disso, quando você ganha um prêmio, o júri te dá um carimbo falando: ‘Ok, esse grupo é bom’. Isso faz com que pessoas, que não aceitavam o seu trabalho, ou não queriam saber dele, passem a aceitar. Mas participar de um concurso e não ganhar também não é menos meritório.”

Para Gustavo, um concurso é bom ao funcionar como uma plataforma para que o artista apareça, mas nem sempre é rentável. “Quase nunca o concurso dá um prêmio em dinheiro que justifique você participar e se sujeitar à exposição ruim, que pode acontecer, se você perder.” No entanto, o artista concorda que essa é uma maneira de se atingir novos públicos. “Isso é algo que estamos fazendo desde o início. Não queremos tocar somente para aqueles que já conhecem flauta doce ou música antiga, que é nosso repertório mais tocado. Por isso, procuramos todas as oportunidades possíveis para atingirmos um público novo. Entre elas, participarmos de concursos”

A busca pela ampliação do público por meio de concursos vem junto com outras ações do grupo. Entre elas, usar instrumentos diferentes e tocar sem partituras. “Achamos isso essencial. É uma coisa que geralmente músicos eruditos não costumam fazer, mas para nós é muito importante. O fato de tocar de cor atrai mais público, e realmente a gente acredita nisso. Quando vemos um músico ou artista, de qualquer estilo, da música popular, nenhum deles está com partitura na frente. Sabemos que no mundo atual, onde o vídeo, a imagem, é tão importante, não podemos abrir mão e tocarmos com uma estante de partituras na nossa frente. Precisamos olhar para o público e que ele nos veja tocando para comunicarmos melhor com nossa música. Acho que isso é o que fazemos de melhor.”

VIAGENS

Segundo Gustavo, cada viagem tem “um gostinho diferente”. A primeira viagem do Quinta Essentia foi para a Europa e proporcionou aos integrantes contatos com “coisas” que fomentavam o que estudavam na ocasião. “Por exemplo, estudávamos muito a música francesa e fomos ao castelo de Versalhes. Depois, tocamos no castelo onde o compositor Haendel trabalhou. Fomos para a Itália, tocar no castelo Ruspoli, atendendo o convite de Giada Ruspoli [uma das proprietárias do castelo]. Em 2010, retornamos para esse castelo e depois fomos para a China. Como eu iria imaginar que a flauta doce iria me levar para o outro lado do mundo para tocar?”

Em 2012, o grupo foi para a Namíbia, a convite da embaixada do Brasil em Windhoek [capital e cidade mais populosa da Namíbia]. Tocamos música brasileira, com o repertório do ‘Falando Brasileiro’, para 600 pessoas no Teatro Nacional da Namíbia. Nunca iria para a Namíbia se não fosse flautista, uma viagem que recomendo a todos, pois, além de não ser uma viagem muito cara, é o melhor lugar do mundo para se apreciar a vida selvagem. Fomos para os Estado Unidos, em 2016, onde fizemos dez concertos em cinco estados diferentes. Também estivemos na Bolívia, no Festival de Chiquitos, e realizamos cinco concertos pelo país em cinco cidades diferentes. Tocamos na Europa outras vezes, em festivais na França e em Portugal. Em 2017, estivemos na Austrália tocando e dando aulas em Melbourne, Sydney e Woodend. E agora vamos voltar para a Europa e China novamente”, disse o músico que, por meio de suas flautas doces, dedicação e respeito à música já visitou todos os continentes, menos a Antártica.

O que as pessoas devem ter em mente quando forem escutar o som do Quinta Essentia? “Primeiro, somos um grupo brasileiro que busca a excelência em tudo o que faz. Não queremos fazer o que outras pessoas já fazem. Queremos fazer melhor do que todos já fizeram.”

De acordo com o músico, tocar afinado, com as notas certas e de cor é o mínimo que podem fazer. “Isso é feijão com arroz, outros grupos já fazem. Partimos desse mínimo, para fazermos coisas que ninguém fez. Por exemplo, o repertório que estamos tocando [“Caboclo”] ninguém fez, porque tem obras com instrumentações diversas. Tem coisas para quartetos de cordas, metais, como ‘Choro No 4’, do Villa­Lobos; coisas originais para piano, como ‘A Lenda do Caboclo’ que ele [Villa­Lobos] também escreveu para orquestra e, se ele fez com outras instrumentações, também podemos tocar com flauta doce, além de ter também músicas escritas originalmente para esse instrumento. Enfim, escolhemos músicas de compositores brasileiros consagrados, que escreveram peças muito bonitas e que pudéssemos adaptar com ganho. Não basta ser uma transcrição, tem de ser uma transcrição, com algo a falar sobre essa música. Não basta apenas reproduzir, temos de acrescentar.”

Retornando da China, o grupo tem um concerto agendado para o dia 11 de maio, no teatro Polytheama, em Jundiaí, São Paulo. “Nesse concerto também apresentaremos o repertório de ‘Caboclo’”, disse o artista.

Conheça, a seguir, um pouco de cada integrante do Quinta Essentia e o que pensam sobre o grupo. Depois, assista no final do texto aos vídeos nos quais o grupo toca, com exclusividade, para o blog.

QUEM É QUEM NO QUINTA ESSENTIA

Nome completo: Gustavo Henrique de Francisco

Nome artístico: Gustavo de Francisco

Idade: 40

Local de nascimento: São Caetano do Sul (SP)

Instrumentos que toca: “Toco flauta doce, que inclui uma família imensa de instrumentos. Temos os instrumentos classificados por tamanho, como as flautas doces soprano, contralto, tenor e baixo (mais conhecidas), mas também outras ainda menores e mais agudas que a soprano, e outras ainda maiores e mais graves que a baixo. Existem também outras classificação por tipo ou período, como as flautas renascentistas (com corpo cilíndrico e largo), as flautas barrocas (com corpo cônico e estreito), e as flautas modernas (com corpo quase cilíndrico e mais alongado ao final do tubo). Cada uma delas possui características únicas. Cada uma dessas famílias possui instrumentos de todos tamanhos, que, combinados, temos uma possibilidade de mais de 100 diferentes instrumentos. Além de toda a dedicação à flauta doce, também dediquei parte da minha vida para tocar oboé moderno e barroco.”

Formação acadêmica: “Sou engenheiro eletrônico formado na Escola de Engenharia Mauá, em 2001, e também formado em flauta doce e oboé pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul.”

Como define o grupo? “Somos um dos grupos de música de câmara brasileiros mais atuantes na atualidade, sempre mostrando a flauta doce brasileira no seu mais alto nível. Fazemos uma média de 25 concertos por ano e, pelo menos, uma turnê internacional por ano. Somos empreendedores e independentes, pois desde o início, em 2006, nunca fomos ligados a uma instituição que nos patrocinasse.”

Além da formação, em termos de sonoridade no que o grupo se destaca? “Nos destacamos de outros grupos com formação similar pela forma como encaramos a música. Tocamos de cor, pois assim nos conectamos melhor com o público; tocamos música antiga com cópias de instrumentos da época que a música foi concebida e historicamente informados de sua prática, mas com extremo cuidado para que essa música do passado tenha um grande impacto no público de hoje, sem parecer música de museu.”

Qual a maior dificuldade que o grupo encontra? “Para sermos reconhecidos pelas grandes séries e curadorias de concertos, temos que tocar pelo menos cinco vezes melhor do que outros músicos que tocam os instrumentos da chamada ‘santíssima trindade’ (voz, cordas e piano). Apesar disso, tivemos muitas conquistas, com resenhas internacionais excelentes em nossos mais recentes trabalhos.”

O que as pessoas devem ter em mente quando forem ouvir o grupo? “A música sempre transmite uma mensagem, mesmo a instrumental. O público não deve se ater a estilos, pois tocamos todos os estilos, mas, sim, buscar absorver a mensagem contida na música que fala por ela mesma.”

Fazer música como integrante desse grupo é…? “Fantástico, pois é nesse grupo que eu expresso o que tenho de melhor para o público, e que durante todos esses anos me possibilitou conhecer pessoas maravilhosas por onde o grupo passou. Também me fez conhecer melhor o ser humano, seus prodígios e também suas falhas, e conhecer culturas de diversos países, o que me ensinou a questionar meus próprios valores.”

 

Nome completo: Renata Pereira

Nome artístico: Renata Pereira

Idade: 36

Local de nascimento: Joinville (SC)

Instrumentos que toca: “Flauta doce, que possui uma família de instrumentos de diferentes tamanhos, períodos históricos em que foram construídas, sonoridades diferentes. E, por essa razão, um flautista profissional necessita tocar todos os instrumentos da família da flauta doce.”

Formação acadêmica: “Bacharel em flauta doce na escola de Música de Belas Artes do Paraná, Curitiba, em 2004; mestrado em Música (ECA­USP), em 2009; doutorado em Música (USP­ ECA), em 2014.”

Como define o grupo? “O Quinta Essentia é um dos poucos grupos de música de câmara no mundo a divulgar a flauta doce na formação quarteto e apresentar as infinitas possibilidades de fazer música com esses instrumentos.”

Além da formação, em termos de sonoridade no que o grupo se destaca? “A nossa formação é inusitada. Temos poucos quartetos de flauta doce no mundo. Posso mencionar quatro ou cinco. E somos um quarteto de flautas doces brasileiro. Nos destacamos no mundo, da mesma maneira que nos destacamos no Brasil, ou seja, formação musical instrumental inusitada e, fora do Brasil, com o adicional de fazermos música brasileira além do repertório camerístico para o instrumento. Para quem não conhece flauta doce, sua história e as possibilidades desse instrumento, nos destacamos das demais formações musicais porque a flauta doce apresenta uma sonoridade clara, transparente, por meio das infinitas possibilidades de articulação na produção do som, e por sua característica ‘honesta’: sempre dizemos que é impossível mentir ou fingir, artisticamente, quando tocamos uma flauta doce. Tudo é evidente, tudo aparece. É um instrumento muito simples, que exige uma alta execução e cuidado de seus instrumentistas. Por mais que outros músicos possam não concordar, quando tenho colegas que estudaram flauta doce e outros instrumentos, sempre escuto deles que a flauta doce é o instrumento mais difícil de se tocar bem. Por essa razão, o ouvinte atento, que deseja experimentar uma sonoridade rica na sua simplicidade, uma formação que trate a matéria­-prima da música (o som) de maneira ao mesmo tempo brilhante, pura e honesta, na mais alta habilidade de um quarteto de flauta doces, definitivamente deve estar aberto para conhecer o trabalho do Quinta. É isso que buscamos: Simplicidade, Verdade e Beleza.”

Qual a maior dificuldade que o grupo encontra? “É a de manter o processo necessário para conseguirmos o resultado do trabalho. O Quinta Essentia é um grupo de música de câmara, que mantém um trabalho regular de ensaios semanais e concertos durante cada temporada. Um grupo com um trabalho regular, normalmente só é viável sendo um corpo estável de alguma instituição, como uma orquestra, por exemplo. Desenvolver esse trabalho regular é algo fundamental, contudo um desafio quando independente. Somos os próprios financiadores/investidores do trabalho constante necessário para que a magia do palco aconteça para o público.”

O que as pessoas devem ter em mente quando forem ouvir o grupo? “Ouvir flautas doces é experimentar a beleza mais sublime nas coisas mais simples. Assim, como uma criança que brinca o dia inteiro com o mesmo brinquedo e dá asas à sua imaginação, o público do Quinta Essentia passa todo o concerto sendo conduzido a imaginar histórias, conhecer músicas, compositores, instrumentos diferentes, além de poder simplesmente se deixar levar pela pureza do som. Afinal de contas, não é algo inédito o som da flauta doce ser associado às histórias dos pastores, ao sobrenatural e à simplicidade daquilo que é divino, como os ouvintes da Renascença e do Barroco costumavam fazer.”

Fazer música como integrante desse grupo é…? “Uma experiência única. É ter a liberdade de fazer o trabalho artístico que acredito. É levar a expressão musical artística brasileira para todos os cantos do mundo. É poder compartilhar com mais pessoas o que acreditamos ser a prática da flauta doce. É manter um instrumento musical e toda sua história vivos. É dar o exemplo para que mais apaixonados da flauta doce no Brasil não tenham que abrir mão da sua escolha, seja artística, seja profissional. É seguir com a beleza da simplicidade. É poder encantar pessoas através dessa linguagem sem palavras. Aquela que preenche o coração e amplia sensações. E todos os dias poder dizer: eu amo levar a vida na flauta!; mesmo que na língua portuguesa, ainda que de modo infeliz, esta seja uma expressão de significado injusto quando na prática o que vivo é uma paixão por um instrumento musical cujo ofício reivindica muito trabalho todos os dias.”

 

 

Nome completo: Pedro de Magalhães Ribeiro Bruno

Nome artístico: Pedro Ribeirão

Idade: 25

Local de nascimento: São Paulo (SP)

Instrumentos que toca: “Flauta doce quadrada basseto, flauta doce quadrada grande baixo, instrumentos exigem muito fôlego e controle de ar, por serem muito grandes. Também toco flauta doce moderna contralto, Tarasov, parecida com uma flauta doce barroca, mas possui chaves que aumentam sua extensão (mi 4 – dó# 7).”

Formação acadêmica: “Escola Municipal de Música de São Paulo em flauta doce (2010) e flauta transversal (2015).”

Como define o grupo? “A principal referência de um conjunto de flautas doce do Brasil.”

Além da formação, em termos de sonoridade no que o grupo se destaca? “Nós nos destacamos por tocar uma grande variedade de flautas, principalmente as modernas. A flauta doce explorando os limites da formação de quarteto, com uma performance ao vivo refinada e envolvente.”

Qual a maior dificuldade que o grupo encontra? “Difundir a flauta doce para além dos seus horizontes convencionais, cativando ouvintes do mundo todo com um repertório arrojado e inovador.”

O que as pessoas devem ter em mente quando forem ouvir o grupo? “Se abrir para uma nova sonoridade de quarteto moderno e brasileiro.”

Fazer música como integrante desse grupo é…? “Um prazer, um desafio e um aprendizado.”

 

Nome completo: Francielle da Silva Paixão

Nome artístico: Francielle Paixão

Idade: 30

Local de nascimento: Pouso Alegre (MG)

Formação acadêmica: “Bacharelado em regência, 2011.”

Como define o grupo? O Quinta é um grande representante da flauta doce no mundo. Destaca-­se por usar uma grande variedade de instrumentos e repertório bastante amplo. Não diria que temos uma dificuldade, mas sim um desafio: levar a flauta doce para o universo das grandes salas de concerto do Brasil e do mundo.

O que as pessoas devem ter em mente quando forem ouvir o grupo? “As pessoas devem estar atentas quando à variedade das articulações e timbres que são possíveis nas diferentes flautas utilizadas durante o concerto.

Fazer música como integrante desse grupo é…? Fazer música com o Quinta tem sido um grande aprendizado, tenho vivido experiências maravilhosas. É uma enorme satisfação.”

 

As flautas brasileiras na série The Interludes

Artigo original: https://www.laopus.com/2018/11/brazilian-recorders-at-interludes.html

 

SEGUNDA FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 2018

RESENHA

Quinta Essentia, 
“The Interludes”, 
First Lutheran Church, 
Torrance/Califórnia – Estados Unidos

por David J Brown 

 

O fato de a South Bay ter várias séries de música de câmara, em sua maioria promovida por Jim Eninger, significa que – assim como o clima em New England – se o que estiver sendo apresentado não for do seu agrado, então espere algo diferente muito em breve. E geralmente o algo diferente é realmente diferente…

Eu não sei nos Estados Unidos, mas lá atrás durante o pós-guerra, quando eu estudava em uma escola primária britânica, o último recurso de esperançosos professores de música confrontados com uma classe de crianças sem nenhuma habilidade musical era distribuir um punhado de flautas doces agudas e esperar pelo melhor. Como eu era uma daquelas crianças, se passaram alguns anos até que eu percebesse que aqueles apitos plásticos rebeldes tinham primos maiores, que produziam sons mais profundos e respeitáveis, mas eu não tinha compreendido a grande variedade de tipos de instrumentos e sons que podem ser apresentados com o título “Flauta Doce” até o recital de sábado passado na série “The Interludes” da “Classical Crossroads’, com o grupo brasileiro Quinta Essentia. 

Daniel Wolff
Daniel Wolff

Logo após as primeiras músicas, do contemporâneo brasileiro Daniel Wolff (nascido em 1967) e de seu compatriota da geração anterior Radamés Gnattali (1906-1988) (sim, ele recebeu esse nome por causa do personagem em Aida), Gustavo de Francisco como porta-voz do Quinta Essentia explicou sobre a incomum secção transversal quadrada dos seus maiores instrumentos. Foi a invenção de um construtor de flautas doces alemão do século XX chamado Joachim Paetzold, que modelou seu design inovador baseado em tubos de órgãos quadrados de madeira, com chaves para que pudessem ser tocados em até duas oitavas.

O som extraordinariamente profundo e amadeirado desses instrumentos apareceu em todas as nove obras (todas brasileiras) incluídas no recital, embora na primeira, Flautata Doce de Wolff composta em 2013, ritmos de dança alegres e leves em vez de timbres particulares dominassem a primeira e última sessão da música. Sua paisagem auditiva, envolvendo uma seção central calma e mais lenta de melodia arqueada nas vozes mais agudas.

Radamés Gnattali
Radamés Gnattali

Diferentemente de seu contemporâneo mais antigo, Heitor Villa-Lobos, a música e a reputação de Gnattali parecem não ter viajado muito além do Brasil, e esse foi meu primeiro encontro com sua música.

Sua afinidade com os ritmos de dança estava por toda parte aparente. A breve Lenda (Legend) de 1936, que seguiu após a obra de Wolff, exibia um colorido de tonalidades brilhantes ao lado de harmonias lúgubres e compactas e uma linha melódica rebelde sobre a linha da flauta tenor, sobre uma base de baixos borbulhantes nos grandes instrumentos Paetzold. Em sua Seresta n º 1 de 1930, o samba veio especificamente para o primeiro plano como o subtítulo da obra, embora a peça incluísse também algumas dissonâncias surpreendentes.

Heitor Villa-Lobos
Heitor Villa-Lobos

As três obras de Villa-Lobos no programa foram todas de arranjo para quarteto de flautas do Sr. de Francisco. O primeiro foi a familiar “Ária”, que é o primeiro de seus dois movimentos, das Bachianas Brasileiras No. 5 de 1938 . Este foi um experimento interessante, mas não aquele que eu esperaria ouvir novamente em preferência à trilha original de soprano sem palavras e uma orquestra de violoncelos de Villa-Lobos.

Ainda mais extensa e desconcertantemente abrangente em estilo, escala e pontuação do que as Bachianas Brasileiras é a série anterior de Choros de Villa-Lobos, que vai desde o colossal No. 11 para piano e orquestra, que amplia qualquer concerto para piano no repertório, além daquele de Busoni, até pequenas peças camerísticas de movimento único como o Choros No. 4 de 1926, originalmente composta para três trompas e trombone.

Choros No. 4 segue de reflexões contrapontísticas interessantes para uma espécie de música de banda de dança de vila, e para meus ouvidos funcionou tão bem em flautas doces quanto nos instrumentos de metais. O mesmo foi ainda mais verdadeiro em A Lenda do Caboclo (1920), sua sonhadora e repetitiva melodia ainda mais hipnoticamente sonolenta, como se respirava através das flautas do que em sua forma original de teclado.

Radamés Gnattali in later years
Radamés Gnattali in later years

O Quinta Essentia tocou nada menos que cinco peças de Gnattali, dos quais o mais extenso – na verdade, o maior trecho de todo o recital – foi o seu Quarteto No. 3 (1963) de quatro movimentos.

Aqui senti que o quarteto de cordas original poderia ter dado uma visão mais profunda do mundo sonoro deste compositor do que a transcrição do Sr. de Francisco, embora talvez devesse ter passado menos tempo tentando visualizar em quatro instrumentos de cordas a sua progressão de brincadeira staccato no primeiro movimento, através do abrupto tango voando alto no segundo, um solo rebelde com polirritmias contra e tercinas insistentes no terceiro, e de volta aos staccatos no grande final, e em vez disso simplesmente apreciamos os timbres apresentados, do agudos penetrantes aos extraordinários graves que emanam do contrabaixo.

Não tenho certeza se a curta Cantilena de Gnattali, de 1939, que imediatamente precedeu o quarteto, ou sua Seresta No. 2 (1932), que fechou o recital, foram transcrições ou não. De qualquer forma, no entanto, o quarteto de flautas transmitia com igual vivacidade o clima árido e assombroso do primeiro (aparentemente um lamento da área desértica no nordeste do Brasil), e o espírito alternadamente alegre e embriagado do último.

 

Este foi um recital fascinante, embora confesse que, ao final de cerca de uma hora e um quarto de música contínua, meus ouvidos estavam ficando um pouco cansados ​​de um som de flauta doce indiferenciado, ainda que impecavelmente tocado; talvez fosse melhor omitir uma ou duas das peças.

O que não estava em causa era o encanto irresistível da Quinta Essentia, que claramente ama tanto os seus instrumentos como os é hábil em tocá-los (o “quinta” em seu nome refere-se à flauta doce como o quinto elemento adicionado aos seus 4 integrantes!). Para fechar com chave de ouro, talvez o toque mais charmoso de todos, no qual a Sra. Pereira apresentou seus três companheiros, por sua vez, enquanto repetiam repetidamente os ritmos inconfundíveis da transcrição folclórica brasileira que formava o bis.


—ooo— 

 

“The Interludes”: First Lutheran Church, Torrance, 15h00, Sábado, 17 de Novembro 2018. 
Fotos: Quinta Essentia: artists’ website ; Daniel Wolff: Musica Brasilis ; Gnatalli: Cortesia Marco Antonio Bernardo ; Villa-Lobos: Cortesia Virginia Commonwealth University ; Gnatalli nos últimos anos: Cortesia Opera Musica ;Performance: author photo.

“Estimulamos as crianças a ver o trabalho com prazer”. S. Suzuki (1898-1998)

Estava para escrever este relato na semana passada. Mas, semana normal de aulas, ensaios e concerto, é sempre corrida e acabei não conseguindo fazer.

Passei por uma situação com esta aluna há 3 semanas que estou acostumada a vivenciar como professora Suzuki. A prática diária de um instrumento musical é tão importante e tão poderosa para a educação e formação do caráter de uma criança, e mesmo assim, as pessoas desconhecem essa grandiosidade.

Relacionada à prática diária de um instrumento musical temos três questionamentos importantes. No caso das crianças, estes questionamentos, comentários ou pensamentos, são sempre oriundos dos pais, adultos, é claro!

 

  • Tarefa: o peso desta responsabilidade para uma criança. Uma criança muito pequena não tem que ter tarefas, tem que brincar!;
  • Motivação (em relação à música): você tem que ter vontade de fazer, nasce com você. Se você não demonstra vontade de fazer, sozinho, você não nasceu para isso!;
  • Excelentes resultados: quando uma criança pratica um instrumento musical diariamente e conquista excelentes resultados, essa criança não brinca, não tem infância.

Pois bem, vou falar um pouquinho sobre isto. Não tenho filhos, mas tenho muita experiência ensinando flauta doce para crianças, desde 1998. Já trabalhei com crianças de nacionalidades diferentes, de condições sociais e ambientais muito diferentes, com famílias extremamente diferentes, com crianças incrivelmente!!! diferentes.

 

Há 3 semanas, esta aluna (da foto) chegou na aula com um comportamento diferente, uma energia diferente do comum. Olhei pra mãe, que sempre a acompanha em todas as aulas, e a mãe também estava com um comportamento diferente do comum. Ela me olhava como quem queria me dizer algo, e ao mesmo tempo, olhava para a filha como quem estivesse fazendo uma pergunta, um pedido.

A pergunta era: – Você conta ou eu conto para a professora? Mas, nada foi dito.

 

Eu perguntei então:
– Como foi esta semana, aconteceu algo diferente?
– Vocês conseguiram praticar o instrumento e as tarefas que eu pedi?

 

A mãe respondeu:
– NADA!
E seguiu dizendo:
– Eu tentei, mas …
A menina interrompeu dizendo:
– Mas tinha muita gente em casa, eu queria fazer outras coisas…

E a postura da menina era de decepção, talvez.
Um ombro baixo, um olhar emotivo, uma vontade de reclamar e até colocar a culpa daquele sentimento todo em alguém.

Talvez esta seja uma cena comum de aula de instrumento, quando o professor pergunta para o aluno, antes de começar a aula, se ele cumpriu o que era responsabilidade dele. Mas, preciso explicar que, eu não teria feito esta pergunta antes da aula iniciar, se eu não tivesse ‘lido’ os olhares entre mãe e filha.

Então, expliquei para a aluna novamente o que fazer e como fazer. Disse para ela que no meu dia, na minha semana, também é difícil praticar. E mesmo amando o meu instrumento (como eu sei que ela ama tocar flauta doce e fazer música), mesmo assim, acabamos fazendo outras coisas e quando vemos, o dia terminou e não tocamos. Por esta razão, falamos sobre fazer o que de fato é importante em primeiro lugar.
Falamos sobre organização. Falamos de prioridades, de escolhas, de estratégias, de expectativas. Enfim…. foi uma conversa leve, e que reforçou para a criança a postura da mãe. Afinal, ela sabe que a mãe tentou ajudá-la a praticar durante a semana. Mas ela, a criança, não quis.

Aqui preciso explicar que, meus alunos são crianças muito pequenas e adolescentes.
No Método Suzuki, acreditamos que todos somos capazes de aprender, e que vamos construindo passo-a-passo a aprendizagem do instrumento. Mesmo que a criança tenha 3 anos de idade e esteja iniciando no estudo do instrumento, vamos dando à ela o passo-a-passo adequado para a idade para que ela venha a construir uma aprendizagem sólida e para a vida.
Obviamente, que quando uma criança muito pequena inicia, a responsabilidade da prática diária do instrumento é dos pais e não da criança. Mesmo que a criança saiba que é importante praticar o instrumento todos os dias, ou melhor, apenas nos dias em que ela come. Ainda sim, o papel dos pais é de inserir a prática do instrumento musical no dia-a-dia da criança, de maneira divertida, leve, e produtiva.

Nosso objetivo não é ensinar o peso de uma obrigação, mas sim, criar um hábito positivo na vida da criança.

“Estimulamos as crianças a ver o trabalho com prazer”.

Talvez, nós adultos, por causa da nossa experiência pessoal e intransferível, não acreditamos que isso seja capaz, afinal trabalhamos por outros motivos, e muitas vezes, vamos para o trabalho quase arrastados, por obrigação.

Eu, tive uma outra experiência. Eu faço o que amo fazer. E por esta razão, o que Suzuki disse em relação à prática diária do instrumento musical para uma criança, e o que esse hábito pode ensinar para a vida de um ser humano, me faz tanto sentido.
Quando escuto um pai de uma criança dizer:
– Acho muito ruim uma criança de 3 anos ter tarefa de casa pra fazer!
Uma criança tem que brincar!Quando ouço este tipo de argumento, sempre penso que a TAREFA que este pai está se referindo é algo bem diferente do leve BRINCAR. Então, acredito que o que ele deseja para a criança de 3 anos, é que ela possa brincar todos os dias. Quando brincamos, nos divertimos, não vemos o tempo passar, temos prazer em algo, damos asas a nossa criatividade. Pai!, mas é exatamente esta TAREFA que estou pedindo para que vocês façam com seus filhos:

Tornem a prática diária do instrumento em casa uma grande brincadeira.
É hora de brincar de flauta doce!

E seu filho vai querer brincar todos os dias, todas as horas… e assim… vai aprender BRINCANDO!Adultos precisam saber que é possível ter experiências diferentes com situações que talvez tenham sido negativas para eles.

Não se apeguem aos termos, mas sim às ações! Observem! Vejam se de fato está sendo um peso para a criança, ou uma diversão.

Voltando para a situação que comecei a contar sobre esta aluna, que já não tem 3 anos de idade. Mas ainda é uma criança. Ela se esforçou com a ajuda da mãe, e conseguiu se organizar para praticar flauta doce durante a semana.

Resultado, depois de uma semana de prática: A aluna chegou super feliz e motivada para a aula.
Durante a aula me disse:

– Professora, a gente quando está com a flauta doce não consegue parar de tocar, né?

O que esta frase acima significa pra você, leitor?

Para mim, significa:

Pratiquei todos os dias, foi divertido, gostoso. Consegui perceber que agora está ficando mais fácil, tudo está fazendo sentido. Estou percebendo que sou capaz de fazer isto.
Motivação pura! Alegria! Prazer!

Esta menina aprendeu através da prática do instrumento que ela é capaz. E esta talvez seja a chave da auto-estima e da felicidade. Saber que você é capaz de fazer qualquer coisa, faz com que você siga em frente, mesmo em momentos de dificuldade. A mãe desta menina sabe disto, e por isso, tem sido tão parceira do trabalho. O que ela quer, é o melhor pra filha dela. É a felicidade da filha.

Os pais que reclamam da tarefa, que querem algo mais ‘leve’, na verdade não sabem de duas coisas:
  • desconhecem o real significado do desenvolvimento do caráter de um ser humano e da busca da felicidade, do que realmente importa;
  • e não sabem que há um caminho para aprendermos a encontrar o prazer nas coisas mais simples e nas coisas que fazemos repetidas vezes.

As crianças são especialistas nesta última questão.

Na prática da semana passada, a aluna aprendeu a se organizar. Se descobriu capaz. E o sucesso foi tão grande que ela acreditou ser capaz de aprender uma música nova sozinha.

A mãe compartilhou comigo esta foto, das anotações da menina, de uma música que ela ouviu e conseguiu descobrir sozinha todas as notas para conseguir tocar.

 

“Sucesso gera Sucesso” disse Suzuki.

Aqui, o sucesso da prática gerou o sucesso de conseguir fazer algo novo. A rotina, o hábito nos presentearam com o prazer de alcançar um objetivo. Saber que você é capaz de conquistar o que você deseja, se você se organizar e trabalhar para isso, foi o que esta aluna aprendeu esta semana. Mais do que tocar flauta doce, mais do que fazer música, foi um aprendizado para a vida. Agora, como professora, tenho a certeza de que, sempre que eu mencionar esta prática, esta experiência para esta aluna, ela saberá com sua memória corporal e afetiva, do que eu estou falando.

Isto é de fato aprendizagem, afinal obtivemos uma mudança significativa de comportamento. E isto é aprender um instrumento musical através do Método Suzuki.

Então, para os adultos que estão lendo este texto, tenho alguns pedidos a fazer:

  • não fujam de criar bons hábitos desde cedo nos seus filhos com o receio de que eles sofram, pois eles sofrerão muito mais se não tiverem passado por estas experiências;
  • saiba que é possível aprender brincando, você só precisa aprender o caminho para isso;
  • não julgue e não veja com olhos preconceituosos, uma criança que obtém excelentes resultados na música, pois se ela obteve estes excelentes resultados brincando, ela aprendeu o caminho para a felicidade. E não é isso que queremos? Todos nós, seres humanos?

#wearesuzuki

Por Renata Pereira
Flautista
Professora Suzuki de flauta doce
Doutora em Música pela USP – Universidade de São Paulo
Teacher trainer (flauta doce/recorder) da European Suzuki Association e da Suzuki Association of the Americas
www.centrosuzuki.com.br

Concertista – A Arte da Fuga por Roger Canesso

Recebemos mais uma resenha e um convite para entrevista na mais recente revista de música erudita brasileira: a revista Concertista (www.concertista.com.br). O texto é de Roger Canesso, e segue abaixo na íntegra.

Para quem quiser adquirir a revista, que possui vários artigos muito interessantes, basta entrar no site acima e seguir as instruções.

Música de Câmara – Dedicação e elogio à flauta doce

Por Roger Canesso

Os dez anos do principal grupo de flauta doce do país foram comemorados na companhia de um convidado ilustre: Johann Sebastian Bach (1685-1750). O quarteto gravou integralmente A Arte da Fuga, monumental obra do compositor alemão. Com interpretação inspirada, técnica apurada e excepcional qualidade de gravação, o trabalho é um ponto alto na trajetória dos músicos e da música de câmara no país.

Os músicos prestam uma belíssima homenagem à flauta doce. Aqui, ela foi coloca da no mesmo (e merecido) patamar do s tradicionais e onipresentes violino, violoncello e piano, para citar apenas três instrumentos que dominam a música de câmara e a preferência dos solistas.

Ouvir o CD é entrar em contato com músicos tocando em altíssimo nível, demonstrando amplo domínio dos instrumentos e profundo conhecimento da obra. A intricada teia contrapontística é tecida com musicalidade exuberante. Acompanhar as vozes em contraponto é um irresistível convite à meditação.

Os intérpretes estão à altura do desafio. No plano técnico, exibem um fraseado fluente e muito bem articulado. As faixas 11 (Contra­punctus 9, a 4 alla Duodecima) e 19 (Contra­punctus 13, a 3: inversus) dão uma amostra do virtuosismo dos músicos. A sonoridade é rica e polida, remetendo, em alguns momentos, ao som do órgão (instrumento do qual Johann Sebastian Bach foi um virtuose).

A obra é a última realização musical do compositor e transborda toda a sua grandeza, profundidade musical e genialidade. “Nela, tudo é prodigioso, o ar que nela respiramos é límpido, decantado. O mais ínfimo detalhe se enche de luz, assume sabor delicioso. A própria sombra é reservada, transparente e privada de malefícios.”, escreveu Luc-André Marcel, em seu livro Bach.

Conversamos com a flautista Renata Perei­ra, que falou sobre os dez anos do grupo, os pró­ximos projetos, o processo de gravação e como foi ficar diante da última obra de um dos maio­res gênios da humanidade.

Concertista: A Arte da Fuga não apresenta in­dicação de instrumentação. Isso dificultou a execução da obra na flauta doce?

Quinta Essentia: Sim, a obra não tem indicação de instrumentação, mas isso não dificultou a execução na flauta doce; pelo contrário, costu­mamos brincar que, se Bach estivesse vivo, di­ria: “Acho que a instrumentação correta dessa obra é quarteto de flautas doces!”. Na verdade, não ter instrumentação definida soa para nós como um convite a fazer aquela música com os nossos instrumentos. E a flauta doce, por pos­suir uma família de instrumentos, proporciona uma adaptação interessante em relação à tessi­tura, uma vez que esta é um fator relevante. Sem instrumentação definida, a obra possui uma tessitura muito ampla, diferente da qual poderia ter se Bach tivesse pensado em um instrumento específico para isso.

No caso de A Arte da Fuga, parece-nos que o compositor não estava preocupado com im­possibilidades técnicas, mas, sim, preocupado com explorar a arte de se fazer música com a forma FUGA e com todas as suas possibilidades.

Concertista: No plano técnico e musical, como foi interpretar a última obra de Bach?

Quinta Essenlia: Desde o começo do Quinta Essentia em 2006, nós tínhamos vontade de gravar/tocar A Arte da Fuga. Na ocasião, nós não tínhamos nem preparo, nem instrumentos, nem prática de tocar em conjunto para realizar tamanho desafio.

Depois de 10 anos de trabalho, achamos que estava na hora de fazê-lo. Nossos desafios iniciaram na adaptação da obra, na tessilura, na instrumentação, na interpretação, em nos­sas escolhas. Uma obra complexa, um texto musical sublime e um cuidado gigantesco para poder realizar esse projeto da melhor maneira. Em nossa interpretação, evidenciamos os “que­bra-cabeças” dos contrapontos, as misturas de temas e expansão das texturas, o estilo francês da escrita de execução do compositor, os ele­mentos das canzonas e concertos pré-barrocos e a nossa missa particular com nome daquele que ousou criar e assinar musicalmente sua obra. No caso da tessitura, a variedade de instrumen­tos da família da flauta doce nos permite uma adaptação quase fiel ao texto. E nessa oferta de instrumentos, o benefício direto é a varia­ção da sonoridade para um repertório extenso, complexo, de quase 90 minutos em ré menor. Nossa escolha foi por instrumentos históricos, para obtermos maior variedade na sonorida­de, rica em contrastes, com maior número de instrumentos. E aí começamos um novo desa­fio: encontrar os mais adequados, aventura que narramos no encarte do disco.

Concertista: A sonoridade desse trabalho é rica e variada. Como vocês conseguiram esse resultado?

Quinta Essentia: É uma soma de fatores: a se­leção dos instrumentos, a dedicação do grupo e seus integrantes para a realização deste tra­balho, um trabalho intenso de pré-produção, arranjos e ensaios, a escolha de tessituras e tim­bres e o esforço de manter-se constantemente nos palcos do Brasil e do mundo, pois essa é a única maneira de se conquistar maturidade musical. A sonoridade da flauta doce é rica e variada. Por essa razão, o resultado que se con­segue tocando-a bem é apaixonante. Ela é um instrumento infinito em suas possibilidades. Essa é a experiência sonora do Quinta Es­sentia com A Arte da Fuga, fruto de todo esse trabalho. O CD demonstra o completo domínio de Bach, da mais complexa forma de expressão musical dentro da música erudita conhecida como contraponto e o completo domínio do Quinta Essentia Quarteto da Arte de fazer mú­sica com flautas doces.

Concertista: Como foi concebida e executa­da a gravação? Vocês gravaram com todos os músicos na mesma sala?

Quinta Essentia: Sim, gravamos juntos, quase um concerto ao vivo! Nós tínhamos algumas opções de estúdio e de engenheiros de grava­ção para fazê-lo, mas tivemos uma opção que iria além de tudo que havíamos pensado. Foi no estúdio da FATEC – de Tatuí/SP. A FATEC possui um curso de Produção Fonográfica com um super estúdio de gravação com excelentes equipamentos. Na ocasião, conversamos com o professor responsável, José Carlos Pires, que não por acaso também é flautista, e ele nos apontou um fator que foi decisivo em nossa escolha: gravar o CD durante as disciplinas do curso de Produção Fonográfica, com os alunos do curso observando e ajudando no projeto. Nós sabemos que flautistas sofrem sempre para fazer gravações, ou para amplificar o som dos instrumentos, pois nem sempre encontramos profissionais preparados para não distorcer o timbre da flauta doce. Esta possui especificida­des que podem simplesmente destruir o som mais bonito desse instrumento em uma grava­ção. Sendo assim, vimos nessa experiência da FATEC uma oportunidade de dar aos alunos do José Carlos a experiência de conhecer bem de perto o instrumento. Além de gravarmos o CD num super estúdio com um flautista como engenheiro de som, ainda contribuímos para a formação de novos profissionais que saberão o que fazer quando encontrarem uma flauta doce para gravar e/ou amplificar. E essa foi a nossa decisão: mais uma vez contribuir para o universo da flauta doce. Ainda sim, tivemos a oportunidade de fazer a gravação em altíssima qualidade para que pudéssemos fazer o produto final em Super Audio CD (SACD), um forma­to que apenas grupos consagrados na Europa conseguem produzir. Então, quando fizemos uma campanha de financiamento coletivo para a produção do disco, recebemos o convite do selo alemão ARS Produktion para produzi-lo. Ficamos imensamente felizes porque o formato SACD agora seria uma realidade.

Concertista: O grupo completou dez anos com uma trajetória de excelência artística. O que podemos esperar para os próximos dez anos?

Quinta Essentia: Este CD foi o nosso marco de 10 anos. Para conseguir a qualidade com a qual fizemos A Arte da Fuga, desde todo o proces­so de gravação e produção até o lançamento, foi necessário um ano de trabalho. Em 2018, estamos comemorando 12 anos de carreira e é claro que queremos muito mais. Queremos realizar mais, compartilhar mais o nosso amor pela flauta doce e o nosso trabalho com o nos­so público. E também fortalecer ainda mais a nossa essência da música de câmara com flautas doces, além de novas turnês e novos repertórios para os próximos anos. Estamos trabalhando para publicar, cm 2018, a integral das adaptações de A Arte da Fuga, que fizemos especialmente para esse pro­jeto. Logo teremos mais informações, mas a pre­visão de lançamento de todas as partituras está agendada para o segundo semestre de 2018. Já estamos trabalhando para a gravação do novo álbum recheado de música brasileira, mas, agora, em uma proposta bem diferente da realizada em 2013 em nosso CD Falando Brasileiro. Um trabalho para 2018 e 2019 com certeza.

O nosso maior prazer é tocar! Desde que iniciamos os nossos trabalhos em 2006, somos um grupo independente de música de câma­ra. O que isso significa? Não pertencemos a nenhuma instituição. Não temos apoio de ne­nhuma entidade no Brasil para que possamos realizar nossos trabalhos. Idealizamos, produzi­mos. vendemos e chegamos, assim, mais perto do público. Além disso, sem ensaios remune­rados, mantemos uma média de três ensaios por semana, e uma média de 25 concertos por ano. Em 2014, nosso melhor ano em matéria de números de apresentações, chegamos a fazer 47 concertos. Nos próximos dez anos, queremos no mínimo dobrar a nossa média. Nosso ideal: fazer mais de 50 concertos por ano.

A Arte da Fuga (capa)
Capa do disco “A Arte da Fuga”

Vamos encher São Paulo de flautas doces

3ª Maratona Suzuki de flauta doce de São Paulo

01 e 02 de setembro de 2018

Venha para um lugar lindo, amplo, com natureza (em meio uma metrópole como São Paulo), ouvir flautas doces e compartilhar seu amor pela música e pelo instrumento com outras pessoas!

É um evento dedicado ao alunos, pais e professores envolvidos com o Método Suzuki de flauta doce de todo o Brasil. Visa estimular, trocar, nutrir e ampliar a comunidade da flauta doce Suzuki e a comunidade flautística em nosso país, sobretudo de crianças. Nesse encontro, os alunos têm oportunidades únicas de convivio intenso com a flauta doce, com a música, professores e colegas de todo o Brasil. A Maratona Suzuki de flauta doce de São Paulo, que encontra-se em sua terceira edição, este ano, terá duas novidades: convidamos a profa. americana Mary Halverson Waldo para ministrar um curso de capacitação de professores e o renomado flautista holandês Paul Leenhouts para oferecer master classes especiais para alunos Suzuki e para flautistas, estudantes de flauta doce e grupos de música de câmara de fora da comunidade Suzuki.

Excelente oportunidade para:
– estudantes de flauta doce de todas as idades
– flautistas profissionais
– pais Suzuki
– grupos de câmara com ou sem flauta doce
– professores Suzuki de todos os instrumentos
– professores e educadores musicais

Vagas limitadas!
Não perca!!!!!

Saiba mais:
maratonasuzuki.com.br

@centrosuzukisp
@suzukiflautadoce
@flautadocebr

Método Suzuki: um relato de experiência no estudo de flauta doce

por Amanda Meincke Melo, 29/03/2018

Quando comecei meus estudos de flauta doce, em uma escola luterana, em Cachoeira do Sul/RS, no final dos anos 80, tinha dez anos. Lembro-me de, inicialmente, ter aprendido alguns aspectos da notação musical, antes mesmo de iniciar a tocar alguma música. Logo, passei ao método Mönkemeyer, começando na flauta doce soprano e, cerca de dois anos depois, passando para a contralto. Em paralelo, tinha acesso a outras partituras – de diferentes estilos musicais – no mesmo nível de dificuldade. Leitura e interpretação seguiam juntas. Em alguns momentos, minha professora tocava comigo e, depois de algum tempo, minha irmã também. Logo no início, participei de alguns recitais, acompanhada de piano ou mesmo em duetos ou em grupo de flautas. Os ensaios com a pianista e outros estudantes ocorriam próximos aos recitais. As partituras eram minha principal referência nas apresentações. Sentia uma alegria em poder apresentar o meu progresso e, ao mesmo tempo, alguma tensão, insegurança, com a exposição.

Aos quinze anos, parei de estudar sistematicamente. Por pouco tempo, participei do grupo de flautas doces da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Santa Maria/RS. A habilidade desenvolvida na leitura de partituras me conferia alguma autonomia para acompanhar o grupo. Nesse período, tive a oportunidade de experimentar outras flautas doces, como a tenor e a baixo. Passei, então, muitos anos sem estudar flauta doce, tocando eventualmente. O interesse pelos estudos retornou no período de pós-graduação (em Computação), em Campinas/SP, quando identifiquei outras pessoas interessadas no instrumento e fiz pesquisas de partituras nas bibliotecas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Identifiquei, então, uma escola de música perto de casa, no centro da cidade. Fiz algumas aulas, mas não fiquei satisfeita em estudar com um professor que, embora pudesse me ensinar sobre teoria musical e tocar comigo, não tinha a flauta doce como seu primeiro instrumento.

Nessas experiências, não me recordo de exercitar a memorização das músicas como aconteceu já nas primeiras aulas no método Suzuki e, embora eu tenha tomado contato com as articulações T e D, o seu uso não era muito consciente. Em algum momento, a articulação R foi introduzida. Porém, não cheguei a explorar toda a riqueza que as articulações oferecem à interpretação.

Ao retomar os estudos de flauta doce, em 2015, não tinha muita clareza do que essa retomada exigiria de mim. Queria melhorar a interpretação, aprimorar o uso de articulações e ornamentos, apresentar maior agilidade na leitura e na execução, estudar a clave de Fá, ou seja, melhorar minha qualidade técnica em geral. Avançar! Avançar! Avançar! Procurei por uma professora altamente qualificada em flauta doce e, com ela – Renata Pereira, veio o método Suzuki – que apenas sabia existir, especialmente no ensino de violino em Santa Maria/RS.

Nas primeiras aulas, ao notar que eu deveria escutar as músicas de um CD e memorizá-las – não apenas a melodia, mas também as articulações e a interpretação –, sem apoio da partitura, fiquei muito ansiosa. Achei que não seria capaz de memorizar tantas músicas. Progressivamente, entretanto, adquiri novas habilidades, o que me trouxe grande alegria e sentimento de conquista. Porém, não via o momento de avançar e tocar músicas menos infantis e mais elaboradas, levando a algumas conversas (muito relevantes) a respeito do método e da importância de passar pelo Livro 1. Com isso, foi possível rever minha relação com a flauta doce e depositar mais confiança no trabalho desenvolvido pela professora.

Após cerca de um ano e meio dedicado ao Livro 1 de soprano e ao Livro 1 de contralto, chegou o tão esperado Livro 2. Hoje, já não tenho tanta pressa em prosseguir, tentando equilibrar o tempo necessário para amadurecer a interpretação de uma música e o tempo (exíguo) que tenho disponível para me dedicar aos estudos da flauta doce. Estou mais confortável com o repertório e tive a oportunidade de aprimorar uma das poucas músicas que já tocava de cor – o Minueto BWV Anh. 114, além de estar estudando belíssimas músicas.

Sobre as aulas a distância…

Moro em Alegrete/RS, localizada na fronteira oeste do Rio Grande do Sul (Figura 1). Em todo o município, não há professores (residentes) qualificados para o ensino do instrumento no nível de estudo em que estou. Assim, as aulas a distância são imprescindíveis para a continuidade dos meus estudos de flauta doce.

 

Figura 1. Mapa que permite perceber a distância entre Alegrete/RS e São Paulo/SP.

 

Embora apresente algumas limitações, como a impossibilidade de sincronismo para tocar com a professora e eventuais problemas na rede, é uma oportunidade única para ter o acompanhamento com uma professora extremamente qualificada. Para realização das aulas, utilizamos o Skype, que permite comunicação em vídeo, áudio, texto, assim como troca de materiais. Durante as aulas conversamos, interpreto músicas em estudo, escuto a interpretação da professora, recebo retorno do meu desempenho e orientações, repito trechos que necessitam de mais atenção. A principal dificuldade está na impossibilidade de acesso frequente a outras experiências oportunizadas pelo Centro Suzuki de Educação Musical de São Paulo (ex.: tocar com a professora, aulas em grupo, recitais). Os benefícios têm sido tantos que superam essas dificuldades.

Sobre as aulas presenciais…

As aulas presenciais são muito semelhantes às aulas a distância, mas permitem a adoção de outras estratégias como experimentar instrumentos, tocar juntas, anotações no próprio livro pela professora, e, possivelmente, facilitam à professora perceber nuances da minha interpretação. Além disso, é uma ótima oportunidade para estreitar a relação professora-aluna.

Sobre as aulas em grupo…

Em minha última ida a São Paulo/SP, no final de fevereiro deste ano, para realizar aulas presenciais, tive a oportunidade única de realizar duas aulas em grupo com o professor Gustavo de Francisco, no Centro Suzuki de Educação Musical. Na primeira aula, fiquei bastante emocionada em poder tocar, com outras três estudantes, duas músicas em várias vozes. Na ocasião, discutimos e experimentamos a sincronia necessária para iniciar a tocar em conjunto, além de interpretar a partir de partituras com diferentes vozes, observar e dialogar sobre essa interpretação. Na segunda aula, fui surpreendida com a proposta, bastante diferente da primeira: juntamente com outra estudante e o professor, tocamos – de cor – trechos de diferentes músicas ao mesmo tempo e, ao final da aula, cada uma escolheu uma música para apresentar aos demais colegas, refletindo e discutindo sobre formas para se preparar para uma situação de exposição.

Assim, ainda que de forma breve, foi possível interagir com outras estudantes – a maioria no mesmo nível de estudo e uma em nível mais avançado, ler partituras, interpretar, observar e dialogar sobre a interpretação coletiva, exercitar o poder de concentração, além do autoconhecimento e a exposição diante de pessoas desconhecidas. A experiência de tocar em grupo, em particular, não tem se mostrado possível localmente pela ausência (ou pelo desconhecimento) de pessoas comprometidas com o estudo da flauta doce.

Finalmente…

Tem sido uma experiência bastante significativa estudar pelo método Suzuki. Através dele, sem dúvida alguma, tenho aprendido muito, corrigindo a postura, exercitando a percepção, aprimorando a capacidade de memorização e valorizando a interpretação, com a leitura assumindo progressivamente seu lugar. Nesse processo, a ideia de avanço tem outro sentido.