Em minha última viagem para a Alemanha tive o prazer de conhecer um grande flautista, o qual foi membro fundador do Amsterdam Loeki Stardust Quartet, um grupo de flautas doces holandês com 30 anos de história. Este flautista me concedeu uma entrevista falando um pouco de sua experiência profissional, seus últimos trabalhos desenvolvendo aprimoramentos em algumas flautas modernas, e também, algumas curiosidades dos bastidores do seu grupo.
Transcrevo abaixo a integral da entrevista, já traduzida para o português. Quem quiser ouvir o áudio original, basta acessar este link.
Entrevista com Karel van Steenhoven
por Gustavo de Francisco
“Arte e cultura são as expressões delicadas e vulneráveis de pessoas que constantemente dão amor, liberdade, respeito e tolerância na mudança das formas e estruturas que apresentam sempre nova vida e formam uma ponte entre a tradição e a renovação, entre a vida e a morte, jovens e velhos, homens e natureza, ideal e realidade. Isso deve ser assim!” K. V. S.
[GUSTAVO] Karel, muito obrigado pela oportunidade desta entrevista, pois para mim é uma grande honra.
[KAREL] Muito obrigado por você estar aqui!
Mas quem é Karel van Steenhoven?
Primeiramente, gostaria que você contasse um pouco sobre você e a sua carreira, para que os nossos leitores do blog FlautaDoceBR conheçam um pouco mais sobre os seus trabalhos atuais e também sobre a sua experiência artística
Neste momento, eu sou conhecido principalmente pelo meu trabalho com o grupo Amsterdam Loeki Stardust Quartet, do qual participei por 30 anos fazendo concertos pelo mundo afora, fazendo muitas gravações (20 CDs), ganhamos alguns prêmios, e esta é a razão pela qual sou conhecido como flautista. Além disso, faz 17 anos que sou professor de flauta doce e música contemporânea na Universidade de Karlsruhe na Alemanha.
Depois de formado pelo Conservatório de Música de Amsterdam, eu também estudei Composição, com o famoso compositor holandês Tristan Keuris que morreu recentemente… mas ele continua famoso…
Então, o meu principal interesse em música tem sido a minha própria música.
Eu comecei a tocar flauta doce quando tinha 4 anos de idade, mas de fato, eu comecei a tocar em uma clarineta verde, de plástico!
Uau!
“Por que você não experimenta tocar flauta transversal?”, mas eu gostava mesmo era da flauta doce.
É, eu adorava esta clarineta, ela tinha chaves coloridas, nela eu tocava minhas próprias músicas e também as músicas que eu sabia cantar, então eu tocava muito naquele instrumento. Mas em algum momento ela quebrou, pois caiu no chão, daí eu fiquei chorando, e minha mãe disse: “Bem, eu devo ter um outro instrumento em algum lugar aqui em casa!”
[Neste instante ele saiu para buscar algo em uma estante ao meu lado..]
.. E ela me deu isto aqui! Esta foi minha primeira flauta doce, e ela tem muita história para contar, aqui você pode ver a marca do dente do meu primeiro cachorro, pois meu cachorro também tentou tocar flauta doce, mas ele não conseguiu evoluir muito pois ele mordia o instrumento… Mas o instrumento sobreviveu, e continua tocando!
[ele tocou algumas notas…]
Depois que minha clarineta quebrou eu comecei a tocar nesta flauta, e é claro, queria tocar as mesmas músicas agora na flauta, mas isso não funcionava, pois naquela época eu não conseguia tocar o dó grave… Então eu chorei muito, “Por que eu não consigo tocar essa nota!”, então eu pratiquei muito, até conseguir tocar o dó grave, e então eu fiquei feliz novamente.
Desde aquela época eu toco flauta doce, e muitas pessoas tentaram me convencer a tocar outros instrumentos. Meu pai, vendo eu tocando tanto na minha flauta doce, me disse: “Por que você não experimenta tocar flauta transversal?”, mas eu gostava mesmo era da flauta doce. Então, passei a fazer aulas, e meu primeiro professor de música era violonista e também professor de bandolim, e dizia “Bem, eu também posso ensinar flauta doce”…
É, muitas pessoas dizem isso… Inclusive escrevemos um artigo no blog, onde entre outras coisas, dizemos para que professores não procurem ensinar quando não são capacitados.
É, mas naquela época, não existiam bons flautistas que ensinassem flauta doce, isso foi na década de 1960, simplesmente não existia quem tocasse flauta doce. Frans Bruggen estava começando a dar aulas, ele já tinha alguns estudantes mas estes estudantes ainda não lecionavam, então não haviam muitos flautistas.
Muitas pessoas no Brasil passam pela mesma situação, e muitos nos perguntam: O que eu posso fazer, pois em minha cidade não existem professores de flauta doce?
Então, o meu conselho a estas pessoas – eu fui bem sucedido seguindo este pensamento – então aconselho o mesmo às pessoas: procurem um bom professor de música, mas que seja um excelente músico, pois esta pessoa vai lhe ensinar os princípios de como fazer música e arte, mas a técnica específica da flauta doce você deverá buscar sozinho.
Isso aconteceu comigo, este professor que era violonista e bandolinista, era também compositor, e era um bom músico, e por isso me ensinou a linguagem musical e como fazer música. Me orientou o quê e como fazer, me incentivou a tocar minhas próprias músicas, ele me ensinou os primeiros passos em composição. E depois deste professor, já na escola de música, tive outro professor que era violinista, e da mesma forma não era flautista, mas era um excelente violinista, então ele me ensinou tudo o que ele sabia sobre música, mas eu tinha que transportar aquele conhecimento para a flauta doce.
Tenho algo a falar deste professor: ele tinha uma flauta doce e ele conseguia tocar uma nota apenas. E eu estava tocando meio de qualquer jeito, e ele pegou a sua flauta doce e me disse: “Escute Karel, é assim que a flauta deve soar” e em seguida ele tocou a única nota que ele sabia tocar, mas foi um som tão bonito, e eu fiquei realmente impressionado por aquele som, e eu disse para mim mesmo, é assim que eu quero tocar. Mas isso era a única nota que ele conseguia tocar na flauta doce, e todo o resto ele simplesmente tocava no violino. Então ele me ensinou tudo o que eu precisava saber para poder entrar na universidade de música, isto é, ele me ensinou muitas coisas com um bom nível, o suficiente para eu poder entrar no Conservatório de Música de Amsterdam.
Embora ele tocasse apenas uma nota na flauta doce, ele era um excelente músico, e é por isso que eu acredito que esta é uma boa dica para quem não tem como ter aulas com bons flautistas: é melhor ter aulas com um bom músico para saber O QUE deve ser feito e procurar COMO fazer na flauta doce por si mesmo, do que ter aulas com um flautista que não é bom músico. Falo isso por que fazer música é muito mais importante do que saber técnicas básicas.
música é uma linguagem musical que se desenvolve através de ideais sonoros
Eu costumo dizer às pessoas que geralmente estão apenas interessadas em dedilhados e nada mais, porém o dedilhado é a parte mais fácil de todas: Há muito mais o que aprender além de dedilhados, e estes podem mudar dependendo das intenções musicais ou dos instrumentos que estão tocando junto.
Exatamente, é muito mais importante conhecer estilos, expectativas sobre o desenvolvimento do som, como usar o silêncio em música, como construir frases musicais, inclusive os violinistas falam sobre respirações em música, então música é uma linguagem musical que se desenvolve através de ideais sonoros. Você pode traduzir esses ideais para cada um dos instrumentos. O ideal mais importante, para a flauta doce, que aprendemos através do tratado de Silvestro Ganassi [1492 – 1550], “Se você quer realmente tocar flauta doce bem, aprenda a cantar”, se você consegue cantar bem, vai conseguir tocar flauta doce bem; tente imitar os cantores.
Isto é sempre uma parte muito importante do “fazer música”, tente imitar os outros. Se você consegue imitar um bom violinista, ou um bom cellista usando a flauta doce, é muito melhor do que tentar imitar um flautista que não toca bem. Mas por quê isso? Talvez este flautista tenha uma boa técnica, mas ele não tem som bonito, não conhece as diferenças de estilo, ou a sua estética musical não é boa o suficiente. Então é melhor procurar um bom violinista e tentar imitar o estilo, a afinação, e o desenvolvimento do som em geral, a sua linguagem musical.
Este é um excelente conselho.
Sobre o desenvolvimento das flautas modernas
Tenho uma outra questão para você. Gostaria de saber mais sobre o desenvolvimento e melhorias de novos instrumentos da família da flauta doce, inclusive de algumas muito especiais que eu pude ver e experimentar em seu estúdio. Gostaria então que você explicasse sobre o seu trabalho mais recente em conjunto com a Mollenhauer e os novos avanços com as flautas modernas.
Este é um assunto muito interessante, pois tem muito a ver com o que conversamos a respeito da imitação de outros instrumentos. Uma das coisas que eu sempre senti falta, quando ainda criança, também como estudante e hoje como músico profissional, é da conexão direta da flauta doce com os outros instrumentos da família das madeiras. A flauta doce é um instrumento ao qual, durante toda a história da música, foi construído pelos melhores luthiers e fabricantes de instrumentos. Se você pesquisar, durante a Renascença, verá que os mesmos luthiers que construíram flautas transversais, cornetos e outros instrumentos também construíam flautas doces, pois ela era o instrumento mais sofisticado daquela época. Se pesquisar no Período Barroco, os luthiers de flautas doces, flautas transversais e oboés eram em sua maioria, as mesmas pessoas, então como eles construíam os três instrumentos, a flauta doce era construída com a mesmo capricho e tecnologia que a flauta transversal ou oboé [ver fotos acima].
Isso segue na história. Se comparar os oboés do início do Romantismo, os mesmos luthiers também construíam flageolets e flautas doces daquele período. Mas hoje em dia, desde o grande movimento da música antiga no último século, temos uma falta em relação ao nosso instrumento, os luhiers de flauta doce passaram a ignorar o desenvolvimento de chaves, a afinação, e o desenvolvimento da estética sonora do nosso tempo. Eles simplesmente se separaram do resto do mundo, em uma espécie de “ilha da música antiga”, onde eles trabalham com ferramentas antigas, com sistemas de afinação antigos, com referências de afinação antigas, então, como músico e artista, quando tocamos apenas naquele tipo de instrumento… – é claro, este é um mundo maravilhoso! Mas como você pôde ver, tenho aqui mais de 110 instrumentos, e eu amo todos eles, eles possuem tantas variações e história – mas, ainda, o que eu sinto falta, é que tenhamos uma flauta doce padronizada à estética atual, e que podemos dizer: “Eu sou músico, toco flauta doce, e uso um instrumento que possui a mesma construção e tecnologia que um oboé moderno ou uma clarineta moderna”. Este ainda não é o nosso caso!
Então isso é algo que eu quero mudar, e este é um dos meus últimos projetos na minha carreira musical, e eu quero estimular isso, quero que meus alunos continuem este trabalho estimulando este desenvolvimento, levando a flauta doce a um novo patamar.
Eu comecei com este maravilhoso instrumento que foi desenvolvido por Marteen Helder no último século, ele ganhou um prêmio por este instrumento, ele estava desenvolvendo no ateliê da Mollenhauer, mas ninguém deu muita importância a isso, pois o instrumento era muito caro, não era um instrumento tão bom assim no início, mas o modelo e a ideia por trás realmente me atraiu, e as possibilidades deste instrumento realmente me interessaram, pois este é um instrumento que realmente pode se transformar num instrumento padrão moderno, se realmente nos dedicarmos a ele.
Eu gostaria de acrescentar algo, eu conheci este instrumento em 2010, e pude adquiri-lo em 2011, fiquei maravilhado com este instrumento e a infinidade de recursos que ele possibilita, e desde então, usamos este instrumento no Quinta Essentia. O som da flauta Helder mistura muito bem com o som de outras flautas e instrumentos modernos, como por exemplo as flautas quadradas Paetzolds e outros.
Porém, mais importante do que se misturar com outras flautas doces modernas, é que a qualidade sonora, o sistema de afinação e a tessitura se encaixem com outros instrumentos modernos da família das madeiras.
É muito lógico que quando usamos um instrumento barroco, ele te possibilita uma outra estética, uma outra estética de som e de afinação, e inclusive o formato e aparência externa possui um outro princípio estético. A música de nossa época segue claramente outra estética. E se você usa uma flauta doce barroca para tocar uma música composta, por exemplo, após Schoenberg, ela simplesmente não casa. Se você vai com suas flautas barrocas para tocar para outros dançarem, vão dizer que estes instrumentos não são bons. Na estética de cada período, tudo faz parte de um mesmo ambiente, e é por isso que eu quero desenvolver este instrumento moderno.
Então eu fui até a Mollenhauer, e disse: “Vamos transformar este instrumento em um instrumento padrão de altíssimo nível, de forma que ele realmente valha o dinheiro investido”, isso logo que comecei a trabalhar com eles. Depositei todo o meu conhecimento como artista, como flautista e como compositor neste instrumento, e neste momento, posso dizer que a flauta Helder vale o investimento, e ela é a base para outros desenvolvimentos futuros.
Isso não é o que os luthiers gostam de ouvir, incluindo Adriana Breukink sobre a sua flauta Eagle, posso dizer que neste momento a flauta Eagle é um instrumento muito bom, com muitas possibilidades, vale o investimento, mas ainda não oferece tudo o que eu gostaria, mas é a base para um desenvolvimento futuro, e como flautista, acredito que o instrumento ideal seria algum tipo de fusão entre a qualidade sonora e as possibilidades da flauta Eagle contralto, com o sistema de chaves e registros da 3.a oitava da flauta Helder contralto. Se estas duas coisas pudessem ser combinadas, este seria o instrumento ideal.
o papel retórico da flauta doce no Período Barroco era “a voz de Deus”
Você havia me dito que também trabalhou junto com a Adriana Breukink em novos desenvolvimentos na flauta Eagle, você poderia nos contar sobre as suas contribuições na flauta Eagle?
Sobre o desenvolvimento da Eagle, é difícil explicar como as coisas realmente funcionam. Adri me visita frequentemente, eu falo com ela sobre os meus concertos que faço usando a flauta Eagle, eu comento com ela sobre o que penso a respeito da posição dos furos, sobre os recursos que um flautista moderno realmente precisa e que o instrumento precisa oferecer, sobre as chaves e se elas estão funcionando bem ou não, e ela, por sua vez, tenta colocar todos estes meus ideais no instrumento.
É em resumo um processo de motivação recíproca, onde eu digo que preciso disso ou preciso daquilo, onde estou me referindo a todos os flautistas que já tocam em um certo nível técnico e que desejam tocar música de nossa época, isto é, após 1920, como a música de Gordon Jacob, ou as sonatas de Staeps, sonatinas do Stanley Bate, e todas outras músicas que devem ser tocadas com violinos modernos, oboés modernos, e especialmente com piano, pois nunca ouvi uma flauta barroca ou renascentista que realmente misturasse o seu som com o de um piano, os únicos instrumentos que realmente funcionam com piano são a flauta Eagle e a flauta Helder em minha opinião. Todos os outros instrumentos [antigos] simplesmente não casam bem com a qualidade sonora, padrão de afinação, ou com o fraseado dos instrumentos modernos, isto por que no período barroco as pessoas queriam tocar seu instrumento por causa da sua clareza, isso foi também um posicionamento retórico em relação aos outros instrumentos: uma “flauta simples” como se ela fosse a voz de Deus dizendo o que é certo e errado, e assim, não era permitido ao flautista usar técnicas de “sombra” [para mudar o colorido de cada nota], pois a flauta deveria soar como ela de fato é, então é assim que o flautista deveria tocar. Então, o papel retórico da flauta doce no Período Barroco era “a voz de Deus”, e a flauta deveria ser tocada em casamentos, funerais, e também em eventos grandiosos. Vemos isso claramente nas cantatas de J. S. Bach, que só se utilizam flautas doces nas cantatas relacionadas à morte de alguém, ou quando é relacionada à alegria extrema, e isso está em relação com a maneira de tocar muito “straight” [técnica, direta e segura].
É claro, devemos mencionar algo sobre o período que o sistema de afinação [temperamentos] começa a entrar numa área mais nebulosa, onde as quintas puras acabam, mais ou menos em 1810 começa a ser usado o princípio do temperamento igual onde não existem quintas puras, e se usamos uma flauta doce que toca quintas puras, todos outros vão dizer que a flauta está desafinada, pois ninguém mais quer ouvir uma quinta pura, mas sim, querem ouvir uma “coloração” ou “sombra” de quinta justa, algo próximo de uma quinta e não uma quinta pura.
Em um certo momento, o vibrato começa a ser usado. Mas se você toca uma nota plana na flauta doce como dizendo “Este é um lá”, mas ninguém quer ouvir um lá, querem ouvir “isso é algo parecido com um lá” [cantarolando com muito vibrato]. Talvez seja um lá, mas talvez não. Sendo assim, toda aquele ideal sonoro da verdade e da voz de Deus não existe mais, pois a música não é baseada na verdade, mas sim, em “escalas temperadas”, então, todo o seu sistema estético muda, e então, com Schoenberg, passamos a ter tantas variações e técnicas de coloração e sombras em todos os instrumentos, o desenvolvimento do som que chamamos de “música colorida” ao invés de uma melodia que possui apenas uma cor do início ao fim, então se usamos um instrumento barroco não temos como mudar a cor, pois o instrumento simplesmente não pertence à este padrão estético musical.
Mudança de coloridos, técnicas de sombras, de fato estas são as principais possibilidades da Helder contralto, que possui uma chave de dinâmica que te possibilita um pouco mais de coloridos, é claro, a acústica deste instrumento nos dá uma maior tessitura e quanto a isso, é excelente ter uma chave para alcançar uma nota abaixo do fá grave, a sensível mi para fá, que é algo que sentimos falta nos instrumentos barrocos, como por exemplo quando os flautistas querem tocar as sonatas solo para cello de Bach, que eles precisam transpor o mi grave oitava acima, ou então tocam fechando parte do furo de baixo com a perna para alcançar o mi grave, mas com isso [fechar o furo com a perna] o som parece simplesmente estúpido.
Claro, você pode fazer coisas estúpidas quando apenas outros flautistas estão ouvindo o que você toca, mas quando tentamos ser músicos profissionais em nosso próprio tempo, e você tenta ser reconhecido não apenas por flautistas, mas também por oboistas, trompetistas, e você deseja que outros músicos digam: “Isso é muito bom”, você vai parar de tapar o furo de baixo com a sua perna, por que isso não é legal e soa como se não fosse nada.
Todos estes meus impulsos foram muito importantes aqui em Karlsruhe, e por isso, na Universidade de Música, a flauta doce não faz parte do departamento de música antiga, mas sim, faz parte do departamento de instrumentos de sopro, e é por isso também que eu tenho como desafio pessoal apresentar o meu instrumento para meus colegas na universidade como “iguais”, e é por isso que eu trabalho tão duro no desenvolvimento das flautas modernas, pois todos os instrumentos tocam música de nossa época, mas os outros tocam com instrumentos também de nossa própria época. Penso que esta é a forma correta de agir: Se você é um oboista, você compra um oboé moderno; se você se interessa por Bach, você toca Bach no seu instrumento moderno; e se você é muito interessado em Bach, você compra uma réplica de um oboé que era usado na época de Bach, um instrumento histórico. Se você for apaixonado por Mozart quando você toca clarineta, você começa tocando em sua clarineta moderna, mas se for muito apaixonado, aí sim você compra uma clarineta histórica, alguma forma de cópia autêntica de um instrumento antigo da época de Mozart, mas isto não é necessário. Acho que esta é a maneira certa de agir, também para quem tocar flauta doce no futuro, imagino que deva ter a sua flauta doce moderna nos mesmos padrões dos outros instrumentos modernos, e tocar nesta flauta toda a música que conhecer, desde o repertório atual até a música de do passado remoto como Guillaume de Machaut, mas é claro que caso se interessar muito por Machaut, em algum momento de sua vida, quando tiver dinheiro suficiente, ele vai procurar um instrumento usado pelos contemporâneos de Machaut; se amar tocar a música de Bach, é claro que em algum momento vai querer ter uma flauta do período de Bach, mas de qualquer maneira, este flautista deve começar com uma flauta moderna, que realmente funciona super bem, e isso é para os flautistas e professores do futuro uma das coisas mais importantes, e o que posso assegurar é que caso este desenvolvimento das flautas modernas não der certo, a flauta doce simplesmente desaparecerá do cenário profissional da música de concerto.
O Amsterdam Loeki Stardust Quartet
O início
Você tocou num assunto ao qual eu gostaria de perguntar a você, a respeito do cenário profissional da música de concerto. Você participou por 30 anos do Amsterdam Loeki Stardust Quartet e neste grupo você se tornou conhecido mundialmente. Por isso, gostaria que você compartilhasse conosco algumas experiências, ou objetivos que vocês tinham no início do grupo, por que vocês começaram a tocar juntos, por que decidiram por parar os trabalhos do grupo, você é quem decide o que quer compartilhar conosco, mas creio que os nossos leitores do FlautaDoceBR gostariam de saber um pouco mais dos bastidores deste importante grupo.
Oh, claro. Certamente, 30 anos de trabalho em conjunto é verdadeiramente muita coisa para contar e é muito difícil escolher o que contar. Mas posso contar algumas coisas, e você decide o que deseja publicar.
Nós começamos pois nós quatro éramos estudantes do Conservatório de Música de Amsterdam e da mesma universidade, e nossos professores Walter van Hauwe e Kees Boeke. Nosso principal professor foi Kees Boeke, e ele queria que nós preparássemos uma peça para consort de 6 instrumentos, e ele simplesmente escolheu 6 alunos aleatoriamente, disse que tínhamos que tocar em conjunto e preparar a música para o próximo mês, pois tínhamos aulas uma vez por mês apenas, e no próximo mês vocês deveriam apresentar este repertório: música inglesa para consort a 6 vozes.
Começamos então a pesquisar o repertório, e no primeiro ensaio, dos 6 integrantes apenas 4 apareceram, nós quatro [Karel van Steenhoven, Paul Leenhouts, Daniël Brüggen, Bertho Driever]. Esperamos muito tempo e ninguém mais apareceu, então começamos a improvisar e fazer coisas estúpidas juntos.
No próximo ensaio, apareceram 5 pessoas, nós 4 e mais um, e como ainda faltava um de nós não pudemos ensaiar o que deveria ser ensaiado. Na terceira semana, apenas nós quatro estávamos no ensaio, mas desta vez estávamos preparados para esta situação, então um de nós havia trazido música a 4 vozes, então pudemos tocar por algumas horas, mas logo depois começamos a improvisar e fazer brincadeiras novamente. E neste momento decidimos que devíamos preparar para a aula apenas música a 4 vozes, e “demitimos” os outros dois colegas que não apareciam nos ensaios, e não deixamos que eles participassem da aula, pois nós queríamos aquela aula e eles não poderiam atrapalhar. Foi assim que o grupo de fato começou, nos encontramos em um sexteto onde logo em seguida demitimos dois dos participantes.
De alguma forma, algo mágico aconteceu, nós quatro ficamos apaixonados pelo som que resultava do grupo, era muito legal quando improvisávamos juntos, e também quando tomávamos cerveja juntos, e assim decidimos seguir com o grupo.
Mas Kees nos disse: “Não, vocês devem continuar o grupo com 6 vozes!”, e ele escolheu outros dois flautistas para tocar conosco, e então, dissemos a ele: “Ok, nós faremos o consort a 6 vozes, mas continuaremos o quarteto para a nossa própria curtição”.
Esta foi a maneira pela qual o grupo começou, e o nome veio em seguida. Tínhamos que nos apresentar durante a aula, e para isso, decidimos apresentar o grupo com um nome estúpido. Era muito importante que fosse um nome estúpido, tinha que ter algo engraçado, tinha que ser muito longo, pois nós queríamos um nome maior que Academy of Music of Saint Martin in the Fields [muitas risadas].
Decidimos isso por que pensamos que em algum momento no futuro, se estivéssemos em um pôster tocando no mesmo evento ou festival ao qual a Academy of St. Martin in the Fields também estivesse, o nome seria realmente longo. Amsterdam Loeki Stardust Quartet foi o nome escolhido.
Loeki foi uma peça engraçada que tocamos naquela época, foi para um comercial…
Eu ouvi falar sobre isso, vocês tocaram para a TV, ou algo assim, é isso?
Sim! Você viu isso em nosso CD ou DVD? Havia um pequeno leão…
Ah sim, ele tocava flauta doce, ou algo assim!
Isso mesmo, nós gravamos o que o leão tocava durante o comercial.
Os ensaios
Pensando em nível profissional, um grupo que faz 3 ensaios para fazer um concerto, não é possível tocar em um alto nível.
Foi assim que começamos a tocar juntos, começamos improvisando, e por isso todos ensaios começavam com 1 hora de improvisação, não apenas com flautas doces mas também no piano eletrônico, violão, nós também inventamos alguns sons usando o aspirador de pó. De fato, o aspirador de pó tinha um lugar cativo em nosso grupo, nós também fizemos todo tipo de tubos estranhos para adaptar as flautas doces ao aspirador de pó, é claro que o aspirador em um lado ele suga o ar e do outro ele assopra, então colocamos muitas flautas adaptadas ao aspirador de pó, e junto a isso criando muitos sons estúpidos.
Este era o nosso mundo, fazendo coisas estranhas e curtindo fazer música juntos. Fizemos cada vez mais coisas juntos, e ensaiávamos 2 vezes por semana, começando às 8 da manhã até às 8 da noite…
Sério, 2 dias por semana, e o dia inteiro cada ensaio?
Sim, ficávamos o dia inteiro juntos ensaiando, e muitas vezes após o ensaio ainda saíamos para ir ao cinema, ao teatro ou para tomar cerveja juntos, então vivíamos como uma família.
Eu posso falar um pouco da nossa experiência… no início do Quinta Essentia ensaiávamos 2 vezes por semana sendo que um dos ensaios era muito longo e o outro não tão longo. Atualmente ensaiamos 3 vezes por semana com 4 horas de ensaio cada um. Gostaríamos de ensaiar mais, porém todos nós lecionamos e possuímos outros trabalhos em paralelo, mas mantemos os ensaios como um “horário sagrado” sem abrir mão deles por causa de outros trabalhos.
Isso é realmente muito importante, pois sem ensaios você nunca chegará ao nível profissional.
Nós acreditamos nisso também. Existem muitos grupos que ensaiam apenas algumas vezes antes do concerto, apenas quando há concerto marcado. Nós pensamos que isso não funciona.
Isso não é possível.
Então você pensa que isso não é possível, ensaiar apenas para o concerto?
Não, isso não é possível. Pensando em nível profissional, um grupo que faz 3 ensaios para fazer um concerto, não é possível tocar em um alto nível.
Nós acreditamos nisso também.
Isso seria possível para um grupo que trabalhou junto por muitos anos a fio, com muitos ensaios, tocando muitos concertos juntos, e após tudo isso o grupo decide que não pretende desenvolver nada novo, tocando apenas o repertório antigo, apenas com os instrumentos que já foram usados anteriormente. Neste caso, poderíamos dizer: “Ok, já nos conhecemos bem o suficiente, sabemos como reagir e não temos mais nada novo a criar ou desenvolver, então vamos apenas ensaiar para os concertos”. Mas isso seria algo muito chato, e a plateia ficaria de saco cheio rapidamente, e isso não seria uma boa escolha para qualquer grupo profissional, pois um grupo profissional sempre busca surpreender a plateia, sempre deve trazer novas ideias, mesmo quando são poucas ideias, você deve surpreender, estar nos limites das possibilidades. Isso é muito importante.
Outra coisa que para nós era muito importante, era a performance historicamente orientada…
A música antiga
Isso também é um assunto muito importante para nós do Quinta Essentia, e tem relação ao que você falou antes, a respeito dos instrumentos antigos e modernos.
Então especialmente quando começamos, todo este movimento em prol da Música Antiga, o fato de não músicos, me refiro aos músicos teóricos ou musicólogos, estavam interessados na história da música e na prática da música antiga e isso era algo completamente novo no séc. XX. Antes disso, ninguém estava interessado em música historicamente orientada, mas apenas em como devemos tocar a música antiga hoje. Nenhum músico do período barroco poderia tocar em um instrumento da Renascença, ele tocaria no seu instrumento “atual” barroco. Indo mais além, um músico francês deveria tocar apenas em flautas doces francesas, eles nunca usariam flautas doces italianas, pois eles precisavam tocar bem, então usavam os seus próprios instrumentos.
Naquela época, a corte francesa era realmente poderosa, então muitas pessoas passaram a gostar da música francesa, passaram a comer como os franceses, e assim o estilo francês foi promovido por toda a Europa, exceto na Inglaterra, que estava muito mais impressionada com a música italiana.
Então, as pessoas sempre estiveram interessadas em seu próprio estilo e no estilo de sua época, mas no séc. XX, com o movimento da música antiga, as pessoas passaram a se interessar por tocar em outros estilos, de épocas passadas. Mas como isso aconteceu? Com Frans Brüggen e alguns outros grandes músicos e compositores, começaram a fazer a “Nut Cracker Operation” [Operação Quebra Nozes], você conhece algo sobre isso?
Sim, já li a respeito.
A principal frase que ele disse foi: “Cada nota que a Orquestra do Concertgebouw Amsterdam toca é uma mentira”, e o que ele quis dizer é que a orquestra não soava da maneira em que aquela música deveria soar quando foi composta no passado, eles apenas tocavam da maneira que gostavam, hoje em dia.
Então para a prática da música antiga, os músicos buscam livros antigos, pinturas e ilustrações de cada período, e também instrumentos que ainda são encontrados, tentando encontrar as maneiras que as pessoas no passado realmente tocavam estes instrumentos, como eles articulavam, então um mundo completamente novo surgiu no cenário musical. Muitos músicos se interessaram por isso, e também musicólogos, e eles trabalharam juntos para descobrir como a música era feita no passado.
Isso tudo por um lado é muito interessante, mas por outro, como músico, você é colocado de certa forma dentro de um museu, e se você como músico tocar exatamente dentro das regras descritas nos livros ou dentro da opinião dos musicólogos ou teóricos, onde estará o ser humano que faz arte? Onde está a sua sensibilidade musical? Isso é uma maneira muito esquisita de agir.
Também falando sobre este problema, por exemplo, em nosso quarteto, nós fizemos uma extensa pesquisa sobre música espanhola composta em torno do ano 1500 até 1600 com alguns musicólogos, nós gravamos um disco com este repertório, com um estudo musicológico muito profundo sobre este repertório, mas, você como músico, quando trabalha intensamente numa pesquisa por cerca de 6 anos, você sabe tanto sobre determinado assunto, e você não pode esperar que a plateia saiba tanto quanto você, então você traz uma música para este público que não conhece muito a respeito, eles não leram todos os livros que você leu, então eles não conseguem entender a profundidade da sua arte, e assim, você cria uma grande lacuna entre você, artista, e o seu público. Você entende o que estou dizendo?
Sim, claro!
Eu concordo contigo.
Este é o problema deste tipo de “arte de museu”, quanto mais você sabe, quanto mais se dedica, quanto mais delicada, inteligente e sofisticada se torna a música, mais difícil será para o público compreender o que você está fazendo. E tudo isso por que vivemos em uma outra época.
E isso para o nosso grupo foi de certa forma um problema. Quando você vai realmente fundo na música, o público deixa de entender o que se passa. E por isso, o nosso desafio foi sempre tentar traduzir estas ideias para atrair um público cada vez maior, pois não queríamos tocar para 2 pessoas apenas, ou tocar para classes de alunos que já leram todos os livros. Nós queríamos tocar e agradar um grande número de pessoas com nossa música, então, pensamos que não devemos fazer apenas algo com o ritmo, mas também, analisar o impacto do nosso trabalho em nosso público.
Se alguém como Ganassi ou Bassano, quando eles tocavam para a sua família com suas flautas doces ou violas da gamba, qual era o impacto da sua arte naquele público? E assim, tentamos transpor este mesmo impacto para as pessoas desta época, pensar como podemos acrescentar ao movimento da música antiga alguns elementos que estimulam a plateia ou que ofereça “algo mais” para que as pessoas fiquem maravilhadas novamente a respeito da música do passado.
Imagine, se alguém conta uma piada antiga, todos já conhecem a piada, e assim ninguém mais ri daquela piada. Este é mais ou menos o caso da música antiga. Então, você deve acrescentar algo novo aquela piada antiga, que ninguém ainda pensou ou percebeu. Ou então, contar a piada de uma forma completamente inesperada, ou mesmo nem mesmo contar aquela piada, contando algo completamente novo, mas com o impacto daquela piada antiga.
Realidade ou fantasia?
Este assunto é muito interessante, e nós pensamos quase o mesmo que você nos contou, de fato temos alguns guias ou regras a seguir a respeito da música barroca, pois precisamos dessas orientações do passado para ajudar no processo criativo, tentamos usar os instrumentos corretos de acordo com o período, mas, não precisamos ficar presos aos livros antigos e a todas estas regras, tocando apenas da forma em que os livros nos indicam. Mas eu penso, em nosso caso há algo diferente, pois vivemos no Brasil e não na Europa, e como estamos distantes desta cultura, temos a liberdade da licença poética de tocar de acordo com a nossa própria interpretação, acho que é o mesmo quando um europeu toca música brasileira, por exemplo, pois ele vai tocar de uma forma diferente.
Exato, é mais ou menos como comida, se você vai para a Itália você vai comer de fato comida italiana, que é fantástica, deliciosa. Mas se um cozinheiro italiano vem para a Alemanha e se ele quer que muitos alemães comam a sua comida, ele precisa adicionar algo alemão ao seu estilo italiano. Assim, comida italiana na Alemanha não tem o mesmo gosto que a comida italiana da Itália, pois aqui as pessoas possuem um paladar um pouco diferente, mas eles querem ter a sensação de comer comida italiana.
Acho que isso funciona da mesma forma com a música. Então, se você leva música de um país para o outro, você está livre para fazer a música ligeiramente diferente, e se você leva a música de um período para outro período, você está livre para fazer a música ligeiramente diferente. E se você não faz isso, por ser muito dogmático em suas escolhas – como um cozinheiro chinês que vem para cá e oferece exatamente a mesma comida que ele oferece na China – certamente terá o seu restaurante vazio, pois ninguém está realmente interessado na verdadeira comida chinesa, eles estão interessados na ideia de estar comendo comida chinesa. O mesmo acontece na música, ninguém está interessado na realidade, todos estão interessados na ideia da realidade.
Creio que isso tem a ver com a fantasia, acho que esta seria a palavra correta para este comportamento. Pessoas procuram por uma fantasia sobre determinado assunto. Enquanto tocamos um concerto, oferecemos ao público uma fantasia a respeito de um repertório ou uma época.
Sim, você está correto, os elementos mais importantes de levar a música e tocar música, bem, a palavra “play” [que significa tocar, brincar e jogar em inglês] descreve bem o que venho dizer, você é brincalhão, você é “chique”, e mesmo muitas músicas são Fantasias, então o que você está fazendo com o público é criar uma fantasia e dando a este público a possibilidade de usar esta fantasia, e esta é uma das principais coisas que buscamos com o quarteto, você pode tocar a música como num livro, ou você pode tocar a música como num filme. Em um filme você nota as coisas tão claramente, você vê as pessoas, os personagens, a sua maneira de agir, então a sua fantasia é rebaixada. Mas, se você lê um livro, as descrições nem sempre são tão claras, então a sua fantasia está num nível muito mais alto, e você pode criar seus próprios personagens lendo um livro.
Isto é outra coisa que tentamos fazer em nosso quarteto, tocar de uma determinada maneira em que o público possa criar eles mesmos a própria fantasia, usando a própria fantasia para deixar a música viva.
Uma regra para nós era “Não seja muito exato ou muito descritivo”, sempre fazer um contra-movimento, mesmo na linguagem corporal. Sempre prestávamos atenção em como nos portávamos, como nos movíamos, mesmo em vídeos, durante concertos, e sempre que percebíamos que alguém fazia os mesmos movimentos que outro, como cruzar pernas ou se movimentar para o mesmo lado ao tocar, isso era sumariamente proibido. Se alguém se movia para a esquerda, o outro devia se mover para a direita, se alguém cruzava as pernas, o outro tinha que colocar as pernas de outra forma, então tínhamos que ter uma grande cumplicidade no palco, e possuir um grande “vocabulário” de movimentos.
Imagine se você fecha o punho e bate na mesa dizendo “isso é certo”, franzindo o rosto, todos os seus movimentos transmitem exatamente a mesma mensagem, e fazendo isso não há escapatória possível ao público senão acreditar no que é dito. Mas se ao invés disso fizer outro gesto, ou talvez com outra entonação de voz, cada um em uma direção, o público imediatamente irá “flutuar” e terá que combinar os elementos contrastantes para obter a mensagem original novamente. Isso era o que sempre buscávamos para nossos concertos.
Essa é uma ideia excelente! E isso tem profundas ligações com o que conversamos ontem à noite, sobre comunicação do artista com o público no palco, e como se comportar no palco. Acho que isso está muito conectado.
No Quinta Essentia, discutimos muito sobre isso: o que nós queremos? Simplesmente tocar juntos? Cada um de nós tem liberdade para fazer sua própria música, ou deve ter liberdade para fazer as próprias intenções musicais?
Estas questões devemos fazer a nós mesmos todos os dias, pois se não se questionar a cada dia, a cada momento, será muito fácil se perder e passar a fazer música automaticamente, e é muito fácil que isso aconteça.
Você mesmo disse, vocês tinham uma regra, mas a cada momento vocês tinham que prestar atenção e se questionar, e se for o caso, voltar atrás e trabalhar para que não aconteça novamente.
E é claro, quando você toca em conjunto, especialmente quando já tocamos junto com as mesmas pessoas por um longo período, todos têm a tendência de se imitar o tempo todo. Isso é normal e é bom, nós fazíamos inclusive piadas quanto a isso: Agora vou tocar igual o Daniël, agora vou tocar como o Paul [risadas], então muitas vezes nos imitávamos e trocávamos de papéis, só pela curtição, isso é muito importante, mas por outro lado você deve ter muito cuidado pois com isso tiramos um pouco da liberdade da outra pessoa, como por exemplo, em um concerto você ouve um ornamento muito bonito em certo lugar da música, e pensa “Uau, que legal este ornamento”, e no próximo concerto você toca este ornamento e com isso você tira a liberdade do colega de tocar este ornamento de novo [mais risadas]. Ou você toca o ornamento e naquele lugar haverá dois ornamentos iguais. Então, precisamos dar espaço para os colegas de criar as próprias ideias, imitação é muito importante, pois se eu roubo a ideia de outro colega durante o concerto, então, este outro colega é estimulado a ser mais criativo e criar algo ainda mais novo.
Acho que este tipo de estímulo nos faz tocar cada vez melhor!
Sim, com certeza!
Desafios são muito importantes neste caminho, mas algumas vezes, se somos desafiados ao extremo, pode ser que desistimos de continuar. Deve haver um certo equilíbrio!
Exato, você precisa ter algumas experiências com êxito, para perceber que isso tudo vale a pena, isso é muito importante!
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