Atitude e seus desdobramentos

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02/18

Muitas histórias têm chegado a nós, através de amigos, emails ou mensagens, ou mesmo de alunos que nos procuram para fazer aulas de flauta doce, a respeito das situações que acontecem no cotidiano. Como muitas dessas histórias são recorrentes e muitas delas com péssimos desdobramentos devido à atitude dos professores e à falta de conhecimento dos envolvidos, resolvi torná-las públicas protegendo a identidade de seus protagonistas.

(…)Agora é hora de passar para flauta transversal…

Recentemente uma aluna nos procurou pois estava frustrada com seu professor. Ela queria estudar flauta doce, começou o estudo, e se empenhou por pouco mais de um ano. Estava adorando as aulas, até que seu professor disse a ela: “Agora você já sabe tocar flauta doce, vamos começar a aprender flauta transversal”. Com isso, e como ela confiava em seu professor, comprou uma flauta transversal e começou o estudo do novo instrumento, mas não demorou muito para se frustrar.

Ela sabia que havia muito para evoluir na flauta doce, e se divertia tocando flauta doce, coisa que não acontecia na flauta transversal. Ela via que haviam diferentes tipos de flauta doce e queria tocar todas elas, queria aprender o repertório, mas seu professor a privou de tudo isso, talvez por desconhecimento, ou por alguma razão pessoal. Talvez nem tenha percebido a frustração da própria aluna, que teve que procurar outro professor de flauta doce.

Temos que saber o que vamos ensinar, e buscar compreender os anseios de nossos alunos. Não há razão para usar um instrumento como ponte para o outro, isso é apenas perda de tempo.

Terei aulas de flauta doce na escola! Que legal… será?

Essa situação aconteceu comigo, quando tinha entre 7 e 9 anos. Eu já estudava flauta doce em uma escola de música, e passaria a ter aulas de flauta doce também na escola. No início era empolgação pura, meus colegas já sabiam que eu tocava flauta. Mas assim que as aulas começaram, toda a empolgação acabou. Eu via que a professora tratava as aulas como recreação. O que eu aprendia em 2 aulas na escola de música foram necessárias 40 aulas na escola regular. A professora nem corrigia os alunos que assopravam de qualquer jeito, nunca foi falado nada sobre articulação. Embora eu adorasse tocar flauta doce, tanto que fiz disso minha profissão, eu não gostava daquelas aulas pela maneira que elas eram feitas, sem respeito algum.

Temos um aluno que passa exatamente pela mesma situação. Em uma conversa, quando falávamos sobre levar a flauta na escola, perguntamos se ele levava a sua flauta de madeira para as aulas na escola, e a sua resposta foi simples e direta: “Não, lá não vale a pena”. Ele sabe que ninguém naquela aula está interessado na qualidade sonora, e por isso só usa a flauta de resina na escola regular, não por exigência dos pais, não por exigência do professor, mas por saber que ninguém se importa.

Essa situação tem vários desdobramentos, e podemos nos questionar quanto bem estamos fazendo ao (mal) ensinar a flauta doce nas escolas. Em minha opinião, quando ensinamos algo sem o devido respeito, pelas nossas atitudes plantamos uma semente, que ao invés de melhorar o ambiente cultural e musical da sociedade, ao invés de melhorar a percepção e a sensibilidade, faz com que nossos alunos gostem apenas do que vêem na mídia. Na aula que serviria para levar aos alunos um pouco de música e arte que não existe na mídia de massa, eles tocam música comercial num instrumento que aprendem a odiar pela falta de formação de muitos professores.

Não consigo tocar, é muito difícil para mim

Em relação à música e todas as artes, é quase senso comum que apenas pessoas com um “dom” ou “talento” possam se tornar artistas. Se isto fosse de fato verdade, estaríamos simplesmente ignorando todo o esforço individual necessário para adquirir uma habilidade, como por exemplo, tocar um instrumento. E também, ao mesmo tempo, estaremos simplesmente ignorando a função do professor, pois se a música é um dom ou talento que nasce com a pessoa, o professor é desnecessário. Eu discordo deste pensamento, mas a argumentação seria suficiente para um novo artigo.

Pensando que a música é um dom ou talento inato, professores pouco se esforçam para corrigir seus alunos, para dar-lhes bons exemplos, ou ter o mínimo de paciência e respeito pelos seus esforços e pelo processo de aprendizagem. Cheguei a presenciar, em uma aula durante um festival de música, o professor falando para a aluna: “Você nunca vai tocar bem, seria melhor ir cozinhar e lavar louça do que tocar”. Seria esta a atitude de um bom professor?

As consequências desta atitude do professor podem ser desastrosas. O aluno pode parar de tocar por causa dessa situação, ou ainda, isso pode resultar em medo ou pânico de tocar em público, medo de errar, bloqueio para improvisar. Mas o próprio pensamento de que as pessoas possuem um “talento especial” pode trazer em sua atitude problemas na convivência social, pois se a pessoa crê que possui este talento, ela acreditará ser superior a todos os outros, enquanto aquele que gostaria de tocar e não se acha capaz, nem se esforça para conseguir pois acredita que isso nunca será suficiente.

Nossa, então tocar flauta é diferente!

Um mundo completamente novo se abre para aqueles que nunca fizeram aulas, ou que apenas fizeram aulas de flauta doce na escola regular, e procuram um professor ou uma escola de música para aprender a tocar. Para estes, as primeiras grandes e óbvias diferenças são:

  • O respeito pelo instrumento;
  • A articulação;
  • A postura;
  • A respiração controlada, com fins musicais;
  • A afinação e a qualidade sonora
  • Os bons exemplos

Obviamente existem muitas outras diferenças, mas junto com tantas coisas boas, muitas vezes o aluno se decepciona com o que ele tinha antes e constata que pouco tinha aprendido daquela maneira, e que havia perdido muito tempo.

O último tópico é muito importante. Sempre buscamos oferecer aos nossos alunos bons exemplos de boas performances, de bons instrumentos, de boas relações interpessoais, de bons hábitos, e eles aprendem com isso. Ao mostrarmos vídeos de grupos de altíssimo nível (são facilmente encontrados na internet) para nossos alunos, ou ao convidá-los a assistir um concerto do próprio professor tocando, abrimos para aquele aluno um universo completamente novo. Ao mostrar que fazemos concertos além de dar aulas, mostramos ao aluno que aquele conhecimento pode se tornar uma profissão, além é claro, de mostrar que ele também pode ser professor. O bom exemplo vale mais que 1000 palavras.

Uma nova atitude

 E você, já passou por uma situação parecida? Como foi a solução? Alguma boa experiência? Deixe nos comentários a sua opinião

5 Comentários para "Atitude e seus desdobramentos"

  1. Fantastico artigo. Acrescentaria aqui a questão relacionada a repertório. Como se não bastasse o infundado preconceito com a flauta doce, professores teimam em apresentar aos seus alunos, seja em aula ou para apresentações publicas, repertórios exclusivamente infantis. Parabéns pelo artigo.

  2. É realmente lamentável o que se presencia e se ouve de relatos semelhantes aos que vocês nos reporta Renata! Mas por outro lado, como é bom ver que existem professores/as,que trabalham para um sentido da construção e elevação do ensino das artes. É preciso acreditar e investir no potencial de cada aluno/a que nos procura. E o encantamento e envolvimento que estas crianças ou adultos terão vai depender de o que o professor/a terão a lhe oferecer. Cabe a nós educadores investirmos em leituras e estudo afim de buscarmos os caminhos para encantar estas pessoas. Abraços!

  3. Maravilhoso o último tópico!
    O professor faz muuuuita diferença. Tive uma incrível na escola, extremamente capacitada, que ensinava isso tudo do artigo e mais. Por isso fiz aulas lá dos 7 aos 18 anos.
    Até hoje de vez em quando eu pego e ainda sei tocar bastante coisa (após mais de 10 anos sem aulas).
    Quando resolvi (por minha escolha) aprender transversa as pessoas ficaram maravilhadas. Eu emitindo um sopro qualquer acham lindo, diferente da doce, que mesmo eu dizendo que sou melhor, não expressam muita reação. Agora fazer uma linda e complexa música na flauta doce acham, talvez, no máximo, “fofinho”.
    Acho que é por aí mesmo, uma questão cultural, porque a música nas escolas tem muito isso. As crianças e suas músicas de crianças na flautinha e só. Muita gente tocou flauta na infância, a maioria por pouco tempo… falta de incentivo e estímulo fazem elas perderem o interesse (todo ano o mesmo repertório, não há evolução, talvez isso?) minha professora ensinou desde o início que flauta não é brinquedo pra ficar “apitando” por aí como eu vejo muito. Na minha opinião baseada na minha experiência, é preciso todo um preparo além de ensinar a tocar, fazer primeiramente e principalmente as crianças entenderem que é um instrumento musical como outro qualquer e precisa ser tratado como tal se você quer fazer aulas.

  4. Na minha familia, minha falecida Mãe tocava acordeon de ouvido desde mocinha, aprendeu e tocava divinamente teclado já depois dos seu 50 anos de idade, minha irmã toca violão e flauta doce e além disso, meus pais tinham belíssimas vozes e cantavam em coral de igreja. Eu confesso que sempre tive um misto de admiração, orgulho e si, uma “invejinha” de não ter esses dons musicais que aprimoraram. Sempre quis saber tocar alguma coisa. Violão, já desisti, pois requer muita coordenação motora e machucava meus dedos nas cordas, mas o som que saía era qualquer coisa medonha. Rsrs.
    Quanto a flauta doce, no Curso Normal, a professora era impaciente e ao invés de me ensinar a dosar o sopro para não transformar a flauta doce soprano num irritante apito, simplesmente gritou me tomando das mãos a miiinha flauta e dizendo pra “procurar outra coisa porque vc pra tocar flauta é um horror!”. Horror é a falta de tato, insensibilidade e estupidez de quem age assim.
    Mas, sou brasileira e não sou a Clara Nunes, mas também sou “mineira guerreira!” E hei de tocar sim, flauta doce lindamente e nunca mais ninguém “botar as patas” nas minhas flautas pra me impedir de tocar!

    • Olá Erika, não sei de onde você é, mas se for de São Paulo, recomendo procurar aulas no Centro Suzuki de Educação Musical, na Vila Mariana.
      Também oferecemos aulas via Skype

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