A música eloquente

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08/17

Já faz algum tempo que a música clássica ou erudita tem perdido seu público, pouco a pouco, e isso é um fenômeno mundial, e não acontece apenas no Brasil. Mas quais seriam as causas para esse fenômeno? Será que os artistas podem fazer algo para começar uma mudança nesse cenário?

Uma visão do passado

Quando olhamos para os grandes artistas do passado, vemos que a maioria deles estava muito conectada com o seu público, mesmo quando esse público era restrito a alguns círculos sociais (a aristocracia, a burguesia, as tavernas, praças públicas ou outros). Havia uma “comunicação” entre o artista e seu público através da arte e seu estilo, em alguns casos bastante inteligível, em outros de forma um pouco mais subjetiva. Alguns filósofos até diziam que a arte tem o poder de “mover os afetos”, isto é, inspirar sentimentos e humores diversos no público, e isso só é possível quando a arte “comunica” algo.

Outra característica que observo nos grandes artistas do passado – me refiro aos mestres não a qualquer artista – é que estes não buscavam apenas a aprovação do público (apesar da importância disso), mas estavam sempre à frente da estética do momento. Criavam obras que traziam alguns elementos novos, porém, com uma linguagem parecida com o que havia antes deles, de forma que o público pudesse ainda degustar de sua arte sem tanta estranheza. Todos estes artistas correram o risco de serem odiados pelo seu público ao quebrar regras estéticas já estabelecidas, e os que foram bem-sucedidos, definiram novos padrões estéticos que foram copiados posteriormente por outros artistas.

A arte “clássica” moderna

Por diversas razões, os artistas modernos perderam o seu foco no público, e passaram a colocar toda a sua energia criativa no objeto da arte em si mesmo. Este movimento de distanciamento entre artista e seu público fez com que a arte criada, muitas vezes, deixe de fazer sentido para o seu público. E quando a arte deixa de fazer sentido, ela deixa de ser consumida. Simples assim.

Um fenômeno muito recente em todo o mundo é a queda dos patrocínios estatais para a alta cultura, como a música de concerto, e esse assunto é bastante controverso. Acho que após tantos anos de mecenato estatal, que criou uma certa estabilidade e crescimento na criação artística por um lado, também influenciou para que os grandes artistas de nosso tempo deixassem de se focar no seu público, afinal, mesmo sem público o mecenato estatal permanece. Li recentemente uma frase de um grande músico que dizia “que o público é irrelevante”, o que me deixou chocado, pois se não fazemos música para o público, para quem fazemos?

Isso traz outros desdobramentos. Certamente, muitas atividades artísticas não sobrevivem sem algum tipo de mecenato ou patrocínio. Orquestras sem patrocínio estatal são raras, estes organismos dependem de apoio estatal ou de grandes empresas. Grande parte das iniciativas de formação artística, e nesse aspecto temos inúmeras boas iniciativas no Brasil, também dependem de dinheiro público, e ninguém em sã consciência milita pelo fim desses projetos. Em suma, arte de qualidade é cara pois demanda muito estudo e formação, e para que seja acessível ao público em geral, depende de patrocínio estatal.

Mas seria ingenuidade parar aqui. Será que os artistas não tem sua parcela de responsabilidade nesse processo? Afinal, se o público não vai mais às salas de concertos, por que um governante iria continuar a patrocinar uma orquestra? Será que um governante reduziria a verba do mecenato se isso influenciasse nos votos para ele na próxima eleição? E perguntar o que aconteceu primeiro, o fim do patrocínio ou a queda do público? É o mesmo que perguntar o que veio primeiro, o ovo ou a galinha.

Possíveis soluções

Não podemos esperar dos outros, exceto quando já tivermos feito tudo o que está ao nosso alcance. Mas como fazemos, hoje, para mudar esse cenário?

Eu costumo comparar as performances que atraem um grande público independente do estilo, com cada um dos concertos que eu frequento. Estou sempre atento às pessoas que estão na plateia, na divulgação do evento e no esforço dos artistas nessa questão, e na atitude do público em cada aspecto da performance. Cheguei à algumas conclusões parciais:

  • O público gosta de interagir com os artistas. Proibir essa interação não é positivo, seja na hora de aplaudir, seja na hora de fotografar ou filmar. Devemos encontrar um meio de dar vazão aos anseios do público sem prejudicar a performance.
  • Ninguém vai a um concerto para ver formalidade ou burocracia, mas sim, para curtir música, e se sentir tocado pelo artista. Por isso, quando os artistas demoram muito entre as obras (arrumando partituras, limpando instrumento, minutos afinando seus instrumentos) o público perde o interesse no espetáculo. Quando vemos um espetáculo que tem música do começo ao fim ou com pausas mais modestas, o nosso interesse se mantém vivo até o fim do espetáculo.
  • Quando um ator lê o seu texto com um papel, ele não transmite verdade na sua interpretação. Decorar o texto, para ele, é apenas o primeiro passo para uma boa interpretação, e os músicos populares sabem disso. Se a música é linguagem universal, e por isso comunica uma mensagem, temos que tocar o instrumento como o ator que interpreta uma peça, e não fazer apenas uma leitura como se toda a mensagem estivesse escrita na partitura.
  • O artista é responsável pela conexão com o seu público. Ninguém mais pode assumir esse papel.
  • Quando o artista não “comunica” através de sua arte, ele não se conecta com o público.
  • Quando o público sabe tudo o que vai ver e ouvir previamente, ele não precisa ir até o concerto.
  • Se o artista não corre riscos, ele não se conecta com o público.
  • O mundo atual depende da imagem. Quando o músico se esconde ou não cuida da própria imagem, o caminho para se conectar com o público é dificultado.
  • Muitas portas já foram abertas por outros artistas, e as referências na internet são infinitas. Fazer o mesmo que outros fazem não é o caminho para conquistar o próprio espaço. Temos sempre que buscar fazer mais e melhor.
  • O artista deve encontrar meios de “mover os afetos” de seu público, de emocionar, de criar uma conexão duradoura com a plateia. O “músico burocrata” não tem espaço num mundo conectado pelas redes sociais.
  • A música é importante, mas aquele músico que consegue impactar outros sentidos além da audição, está à frente dos demais.
  • O público que vai a um concerto quer ver os músicos executando sua arte. Barreiras visuais como pedestais e estantes de partituras atrapalham na experiência do público. O artista deve prezar por uma boa iluminação, que aguce os sentidos da platéia.
  • Alguns estudos afirmam que 93% da nossa comunicação é não verbal, por isso, a atitude do artista no palco comunica tanto quanto a sua própria arte. Ele deve ter o domínio completo de todo o espaço cênico, e de todos os gestos e expressões de seu corpo.
  • A habilidade de atingir novos públicos é importantíssima num mundo em constante mudança.

Deixe nos comentários a sua opinião, sobre o que de fato faz um grande músico que você admira ser diferente dos demais.

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