Concertista – A Arte da Fuga por Roger Canesso

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07/18

Recebemos mais uma resenha e um convite para entrevista na mais recente revista de música erudita brasileira: a revista Concertista (www.concertista.com.br). O texto é de Roger Canesso, e segue abaixo na íntegra.

Para quem quiser adquirir a revista, que possui vários artigos muito interessantes, basta entrar no site acima e seguir as instruções.

Música de Câmara – Dedicação e elogio à flauta doce

Por Roger Canesso

Os dez anos do principal grupo de flauta doce do país foram comemorados na companhia de um convidado ilustre: Johann Sebastian Bach (1685-1750). O quarteto gravou integralmente A Arte da Fuga, monumental obra do compositor alemão. Com interpretação inspirada, técnica apurada e excepcional qualidade de gravação, o trabalho é um ponto alto na trajetória dos músicos e da música de câmara no país.

Os músicos prestam uma belíssima homenagem à flauta doce. Aqui, ela foi coloca da no mesmo (e merecido) patamar do s tradicionais e onipresentes violino, violoncello e piano, para citar apenas três instrumentos que dominam a música de câmara e a preferência dos solistas.

Ouvir o CD é entrar em contato com músicos tocando em altíssimo nível, demonstrando amplo domínio dos instrumentos e profundo conhecimento da obra. A intricada teia contrapontística é tecida com musicalidade exuberante. Acompanhar as vozes em contraponto é um irresistível convite à meditação.

Os intérpretes estão à altura do desafio. No plano técnico, exibem um fraseado fluente e muito bem articulado. As faixas 11 (Contra­punctus 9, a 4 alla Duodecima) e 19 (Contra­punctus 13, a 3: inversus) dão uma amostra do virtuosismo dos músicos. A sonoridade é rica e polida, remetendo, em alguns momentos, ao som do órgão (instrumento do qual Johann Sebastian Bach foi um virtuose).

A obra é a última realização musical do compositor e transborda toda a sua grandeza, profundidade musical e genialidade. “Nela, tudo é prodigioso, o ar que nela respiramos é límpido, decantado. O mais ínfimo detalhe se enche de luz, assume sabor delicioso. A própria sombra é reservada, transparente e privada de malefícios.”, escreveu Luc-André Marcel, em seu livro Bach.

Conversamos com a flautista Renata Perei­ra, que falou sobre os dez anos do grupo, os pró­ximos projetos, o processo de gravação e como foi ficar diante da última obra de um dos maio­res gênios da humanidade.

Concertista: A Arte da Fuga não apresenta in­dicação de instrumentação. Isso dificultou a execução da obra na flauta doce?

Quinta Essentia: Sim, a obra não tem indicação de instrumentação, mas isso não dificultou a execução na flauta doce; pelo contrário, costu­mamos brincar que, se Bach estivesse vivo, di­ria: “Acho que a instrumentação correta dessa obra é quarteto de flautas doces!”. Na verdade, não ter instrumentação definida soa para nós como um convite a fazer aquela música com os nossos instrumentos. E a flauta doce, por pos­suir uma família de instrumentos, proporciona uma adaptação interessante em relação à tessi­tura, uma vez que esta é um fator relevante. Sem instrumentação definida, a obra possui uma tessitura muito ampla, diferente da qual poderia ter se Bach tivesse pensado em um instrumento específico para isso.

No caso de A Arte da Fuga, parece-nos que o compositor não estava preocupado com im­possibilidades técnicas, mas, sim, preocupado com explorar a arte de se fazer música com a forma FUGA e com todas as suas possibilidades.

Concertista: No plano técnico e musical, como foi interpretar a última obra de Bach?

Quinta Essenlia: Desde o começo do Quinta Essentia em 2006, nós tínhamos vontade de gravar/tocar A Arte da Fuga. Na ocasião, nós não tínhamos nem preparo, nem instrumentos, nem prática de tocar em conjunto para realizar tamanho desafio.

Depois de 10 anos de trabalho, achamos que estava na hora de fazê-lo. Nossos desafios iniciaram na adaptação da obra, na tessilura, na instrumentação, na interpretação, em nos­sas escolhas. Uma obra complexa, um texto musical sublime e um cuidado gigantesco para poder realizar esse projeto da melhor maneira. Em nossa interpretação, evidenciamos os “que­bra-cabeças” dos contrapontos, as misturas de temas e expansão das texturas, o estilo francês da escrita de execução do compositor, os ele­mentos das canzonas e concertos pré-barrocos e a nossa missa particular com nome daquele que ousou criar e assinar musicalmente sua obra. No caso da tessitura, a variedade de instrumen­tos da família da flauta doce nos permite uma adaptação quase fiel ao texto. E nessa oferta de instrumentos, o benefício direto é a varia­ção da sonoridade para um repertório extenso, complexo, de quase 90 minutos em ré menor. Nossa escolha foi por instrumentos históricos, para obtermos maior variedade na sonorida­de, rica em contrastes, com maior número de instrumentos. E aí começamos um novo desa­fio: encontrar os mais adequados, aventura que narramos no encarte do disco.

Concertista: A sonoridade desse trabalho é rica e variada. Como vocês conseguiram esse resultado?

Quinta Essentia: É uma soma de fatores: a se­leção dos instrumentos, a dedicação do grupo e seus integrantes para a realização deste tra­balho, um trabalho intenso de pré-produção, arranjos e ensaios, a escolha de tessituras e tim­bres e o esforço de manter-se constantemente nos palcos do Brasil e do mundo, pois essa é a única maneira de se conquistar maturidade musical. A sonoridade da flauta doce é rica e variada. Por essa razão, o resultado que se con­segue tocando-a bem é apaixonante. Ela é um instrumento infinito em suas possibilidades. Essa é a experiência sonora do Quinta Es­sentia com A Arte da Fuga, fruto de todo esse trabalho. O CD demonstra o completo domínio de Bach, da mais complexa forma de expressão musical dentro da música erudita conhecida como contraponto e o completo domínio do Quinta Essentia Quarteto da Arte de fazer mú­sica com flautas doces.

Concertista: Como foi concebida e executa­da a gravação? Vocês gravaram com todos os músicos na mesma sala?

Quinta Essentia: Sim, gravamos juntos, quase um concerto ao vivo! Nós tínhamos algumas opções de estúdio e de engenheiros de grava­ção para fazê-lo, mas tivemos uma opção que iria além de tudo que havíamos pensado. Foi no estúdio da FATEC – de Tatuí/SP. A FATEC possui um curso de Produção Fonográfica com um super estúdio de gravação com excelentes equipamentos. Na ocasião, conversamos com o professor responsável, José Carlos Pires, que não por acaso também é flautista, e ele nos apontou um fator que foi decisivo em nossa escolha: gravar o CD durante as disciplinas do curso de Produção Fonográfica, com os alunos do curso observando e ajudando no projeto. Nós sabemos que flautistas sofrem sempre para fazer gravações, ou para amplificar o som dos instrumentos, pois nem sempre encontramos profissionais preparados para não distorcer o timbre da flauta doce. Esta possui especificida­des que podem simplesmente destruir o som mais bonito desse instrumento em uma grava­ção. Sendo assim, vimos nessa experiência da FATEC uma oportunidade de dar aos alunos do José Carlos a experiência de conhecer bem de perto o instrumento. Além de gravarmos o CD num super estúdio com um flautista como engenheiro de som, ainda contribuímos para a formação de novos profissionais que saberão o que fazer quando encontrarem uma flauta doce para gravar e/ou amplificar. E essa foi a nossa decisão: mais uma vez contribuir para o universo da flauta doce. Ainda sim, tivemos a oportunidade de fazer a gravação em altíssima qualidade para que pudéssemos fazer o produto final em Super Audio CD (SACD), um forma­to que apenas grupos consagrados na Europa conseguem produzir. Então, quando fizemos uma campanha de financiamento coletivo para a produção do disco, recebemos o convite do selo alemão ARS Produktion para produzi-lo. Ficamos imensamente felizes porque o formato SACD agora seria uma realidade.

Concertista: O grupo completou dez anos com uma trajetória de excelência artística. O que podemos esperar para os próximos dez anos?

Quinta Essentia: Este CD foi o nosso marco de 10 anos. Para conseguir a qualidade com a qual fizemos A Arte da Fuga, desde todo o proces­so de gravação e produção até o lançamento, foi necessário um ano de trabalho. Em 2018, estamos comemorando 12 anos de carreira e é claro que queremos muito mais. Queremos realizar mais, compartilhar mais o nosso amor pela flauta doce e o nosso trabalho com o nos­so público. E também fortalecer ainda mais a nossa essência da música de câmara com flautas doces, além de novas turnês e novos repertórios para os próximos anos. Estamos trabalhando para publicar, cm 2018, a integral das adaptações de A Arte da Fuga, que fizemos especialmente para esse pro­jeto. Logo teremos mais informações, mas a pre­visão de lançamento de todas as partituras está agendada para o segundo semestre de 2018. Já estamos trabalhando para a gravação do novo álbum recheado de música brasileira, mas, agora, em uma proposta bem diferente da realizada em 2013 em nosso CD Falando Brasileiro. Um trabalho para 2018 e 2019 com certeza.

O nosso maior prazer é tocar! Desde que iniciamos os nossos trabalhos em 2006, somos um grupo independente de música de câma­ra. O que isso significa? Não pertencemos a nenhuma instituição. Não temos apoio de ne­nhuma entidade no Brasil para que possamos realizar nossos trabalhos. Idealizamos, produzi­mos. vendemos e chegamos, assim, mais perto do público. Além disso, sem ensaios remune­rados, mantemos uma média de três ensaios por semana, e uma média de 25 concertos por ano. Em 2014, nosso melhor ano em matéria de números de apresentações, chegamos a fazer 47 concertos. Nos próximos dez anos, queremos no mínimo dobrar a nossa média. Nosso ideal: fazer mais de 50 concertos por ano.

A Arte da Fuga (capa)
Capa do disco “A Arte da Fuga”

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